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Guilherme Casarões

Plataforma nacionalista-cristã de Trump é ameaça à democracia

Projeto 2025 indica um eventual segundo mandato ainda mais centralizador

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Guilherme Casarões

Cientista político, é professor da FGV-Eaesp (Fundação Getulio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo)

Após a decisão do presidente Joe Biden de abandonar a corrida presidencial, anunciada em 21 de julho, todos os olhos se voltaram para Kamala Harris. Por um momento, o republicano Donald Trump foi deixado de lado. Mesmo a poderosa imagem do ex-presidente levantando-se após quase ser morto em um atentado cedeu espaço aos discursos, aos sorrisos e à aparente vitalidade da vice-presidente e atual candidata democrata.

Biden era alvo fácil, e sua desistência desorganizou a estratégia trumpista. Trump está perdido em seus ataques contra Kamala, ora acusando-a de manipular sua ascendência negra para ganhar votos, ora sugerindo que ela irá banir o consumo de canudos plásticos e carne vermelha (!). Suas declarações, claro, oscilam entre o preconceito aberto, a caricatura desonesta e a mentira absoluta.

Apoiador de Donald Trump usa boné com a frase 'Faça a América rezar de novo', uma paródia do slogan de campanha do republicano - Seth Herald - 22.fev.24/Reuters

Mas há um lado particularmente preocupante na ofensiva republicana. Trump e seus aliados têm sido cada vez mais enfáticos na promessa de um projeto abertamente autoritário, caso sejam eleitos. Eles querem consolidar na cabeça do eleitor republicano a ideia de que somente uma ditadura será capaz de neutralizar a "ameaça woke", que ameaça Deus, a nação americana e a família tradicional.

Vejamos, por exemplo, o que Trump disse em um comício na Flórida, semanas atrás, promovido pela Turning Point Action —associação cristã ultraconservadora conhecida, entre outras coisas, por manter uma lista de professores "esquerdistas" em universidades norte-americanas: "Cristãos, saiam e votem! Somente desta vez (...) depois consertaremos isso. Vocês não terão mais que votar, meus lindos cristãos".
Mesmo quem faça uma leitura generosa da fala de Trump deverá admitir que "não ter mais que votar" deixa pouco espaço para interpretação. Ou ele está presumindo que as instituições estarão dominadas a ponto de assegurar vitórias sucessivas aos republicanos, ou está sugerindo que não haverá mais eleições.

Em ambos os casos, fica claro que sua plataforma nacionalista-cristã, fenômeno sobre o qual já escrevi nesta Folha ("Bolsonarismo e Talibã são expressões do fenômeno do nacionalismo religioso", 24/8/21) não comporta a diversidade ou a competição eleitoral.

Uma reforma profunda do Estado está na base do chamado Projeto 2025. Encabeçado pela Heritage Foundation, organização alinhada às alas mais radicais do Partido Republicano, o documento de 922 páginas propõe o desmantelamento das carreiras da burocracia federal, a substituição de servidores por figuras leais a Trump e a imposição unilateral de políticas orientadas por valores cristãos.

Digo unilateral porque um dos fundamentos jurídicos do Projeto 2025 é a chamada "teoria do Executivo unitário", doutrina controversa que defende o controle absoluto do presidente sobre o funcionamento do serviço público e a implementação de leis. A tese é minoritária e polêmica, mas ganhou força nos círculos mais próximos de Trump, que defendem um segundo mandato muito mais centralizador que o primeiro.

E embora a campanha republicana tenha buscado se distanciar do documento, o envolvimento de assessores diretos do ex-presidente em sua formulação indica que se trata, sim, de uma espécie de manual de instruções para um próximo governo —e que está disponível na internet para quem quiser se aventurar.

Por algum tempo, os democratas tentaram usar o Projeto 2025 para atacar a candidatura trumpista, mas sem sucesso. Afinal, é muito difícil trabalhar no plano abstrato da "ameaça à democracia" para angariar eleitores ou tirar votos do adversário. Kamala e seu candidato a vice, Tim Walz, entenderam que é mais eficiente chamar Trump e seus amigos de "esquisitos" ("weird") do que de "autoritários".

Talvez os democratas estejam certos. Mas não podemos perder de vista que temos um esquisitão com chances reais de voltar à Casa Branca no ano que vem. Um esquisitão que já falou em "banho de sangue" caso perca as eleições. Um esquisitão que, caso ganhe, não terá medo de usar todos os recursos disponíveis para permanecer no poder de uma vez por todas —e cujos próximos passos servirão de inspiração para projetos igualmente tresloucados no nosso canto do mundo.

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