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Eduardo Tironi

Uma SAF não pode comprar a alma de um clube

Nem sempre é sobre ganhar ou perder, mas pertencer; e isso não tem preço

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Eduardo Tironi

Jornalista esportivo desde 1992, com passagens por Notícias Populares, Lance!, ESPN, BandSports e UOL

No último fim de semana de julho, o Juventus da Mooca, tradicionalíssimo clube da zona leste paulistana, enfrentou o São Caetano em jogo válido pela Copa Paulista, torneio organizado pela Federação Paulista de Futebol que reúne times do estado que não estão participando de nenhuma divisão nacional. O jogo terminou 1 a 0 para os visitantes, mas o resultado pouco importa aqui.

Ocorre que na entrada do simpático estádio Conde Rodolfo Crespi, a popular Rua Javari, estavam três ou quatro manifestantes segurando faixas contra a proposta do Juventus de se transformar em uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol).

Movimentação de torcedores na entrada do estádio do Juventus, na Mooca, em São Paulo - Luís Curro/Folhapress

Criada em 2021, a lei 14.193 permite que clubes de futebol se transformem em empresas. Imediatamente isso virou o pote de ouro no fim do arco-íris de qualquer clube enforcado em dívidas no Brasil. E eles são muitos, inclusive gigantes com milhões de torcedores espalhados pelo país. Clubes como Vasco da Gama, Botafogo, Cruzeiro, Atlético-MG e Bahia já operam como SAF. Alguns com melhores resultados imediatos, outros piores.

Nenhuma objeção aos clubes serem saudáveis financeiramente, pagarem em dia, contratarem craques e ganharem campeonatos. Nenhuma objeção aos clubes se transformarem em SAFs. Mas junto dessa transformação é necessário o entendimento que o time passa a ter um dono, que normalmente é um empresário ou investidor que pretende ganhar dinheiro. E o dinheiro, item que neste mundo em que vivemos virou sinônimo de vitória, realização e sucesso, pode simplesmente não vir. Ou acabar.

Antonio Pereira Garcia, popularmente conhecido como Antonio Cannoli, vende doce típico italiano em dias de jogos na Rua Javari - Folhapress

Eis um exemplo: no último dia 24 de julho, o Bordeaux acabou. Não é um clube qualquer. Foi seis vezes campeão francês e quatro da Copa da França. Vestiram sua camisa nomes como Trésor, Tigana e Zidane.

Transformado em SAF, conquistou alguns títulos no começo da jornada, mas se endividou, trocou de dono, não conseguiu sair do buraco e acabou. Como acaba uma loja de paleta mexicana, uma casa de suplementos alimentares.

Mas clubes de futebol têm alma, algo impossível de se calcular o valor. Por isso mesmo, muita gente acha que alma não é importante.

Volto ao Juventus da Mooca, que completou 100 anos em abril. Se o leitor nunca foi a um jogo na Rua Javari, recomendo que vá. Eu estive lá na derrota do time para o São Caetano e foi como uma viagem no tempo: o placar é de madeira, não tem refletores de luz (a promessa é que sejam instalados se alguém comprar o clube) e tem um senhor de 74 anos vendendo cannolo —ou cannoli, no plural, como é mais conhecido o doce típico siciliano. Ir a um jogo do Juventus é perceber que não é sobre ganhar ou perder, mas sobre pertencer. Essa é a beleza e a riqueza deste e de tantos clubes espalhados pelo Brasil. E isso não tem preço.

Você que sonha com seu time transformado em SAF vencendo o Manchester City na final do Mundial e que acha que este texto é uma montanha de bobagens, um alerta: uma vez transformado em SAF, seu time terá um dono. Se tudo der certo, ótimo! Se der errado, não vai sobrar nem a sensação de pertencer; simplesmente porque seu clube não existirá mais.

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