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Salomão Ximenes e Fernando Cássio

Tarcísio cria eleição online não auditável pela militarização escolar

Direções e conselhos escolares podem e devem sair da lista de interessadas

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Salomão Ximenes

Professor da UFABC, é e pesquisador do CNPq; integra a Rede Escola Pública e Universidade (Repu)

Fernando Cássio

Professor da Faculdade de Educação da USP, integra a Repu e o comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Vladimir Herzog foi jornalista; morto pela ditadura em 1975. Conceição Neves foi deputada em São Paulo; teve o mandato cassado em 1969. Hoje, dois fatos unem esses personagens: ambos tiveram escolas estaduais paulistas batizadas com seus nomes; e ambas as unidades entraram na mira da militarização do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Estimulados por uma consulta individual, os diretores dessas e de centenas de outras escolas manifestaram a intenção de aderir à militarização. O plano da Secretaria da Educação (Seduc-SP) é ter policiais aposentados atuando em funções pedagógicas em mais de cem escolas a partir de 2025.

A decisão dos diretores de submeter suas escolas aos coturnos policiais vai além da agressão à memória histórica. Ela viola uma conquista básica do processo de redemocratização: a gestão democrática do ensino público, que inclui a prerrogativa legal dos conselhos escolares de decidirem sobre mudanças em propostas pedagógicas.

O governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos) - Danilo Verpa/Folhapress

Durante o governo Franco Montoro (1983-87), foi São Paulo que primeiro formalizou os conselhos como instâncias deliberativas obrigatórias e compostas por todos os segmentos das escolas (lei complementar 444/1985). Em 1996, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) reconheceu os conselhos como materialização do princípio constitucional da gestão democrática.

A estratégia do governo de minar a ação dos conselhos escolares também inclui uma votação online (e nada auditável), realizada desde o dia 1º com prazo final em 15 de agosto, em que alguns membros da comunidade escolar poderão acessar uma plataforma para dizer sim ou não ao projeto.

A divulgação de uma lista de escolas aptas à militarização é decisão calculada do governo paulista, já que o burburinho em torno de uma votação sobre a qual pouco se sabe (Qual a interface? Quem controlará o processo? Quando será em cada escola?) canaliza as atenções para um processo estranho às instâncias deliberativas escolares já existentes.

A defesa da militarização não resiste a um debate minimamente qualificado. Escolas militarizadas custam mais, excluem estudantes vulneráveis, violam deveres de proteção integral à infância, não melhoram a aprendizagem. Sem argumentos, o governo resolveu transformar a discussão pedagógica séria em um plebiscito sobre o controle dos corpos infantis e adolescentes, opondo profissionais da educação e da segurança pública sem diferenciar seus terrenos e escopos de atuação.

A encenação participativa, contudo, não muda o fato de que a maioria dos implicados diretos na militarização —estudantes de até 16 anos— não vota. E uma vez que a implementação das medidas foi iniciada sem uma decisão legítima, as direções e conselhos escolares podem solicitar à Seduc-SP a remoção de suas escolas da lista.

A direção da escola que leva o nome de Herzog, em São Bernardo do Campo, por exemplo, desistiu da indicação. A comunidade da escola Conceição, em Cotia, se mobilizou com o mesmo propósito. A crescente militarização da educação aposta numa falência das instituições democráticas. Para além de denunciar o equívoco pedagógico da militarização, a resistência dos educadores é uma linha de frente na defesa da democracia, que precisa de reforços urgentes.

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