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Luiz Roberto Liza Curi

A universidade invisível

Expansão da educação superior sucumbe num espalhamento desordenado de vagas

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Luiz Roberto Liza Curi

Sociólogo, é doutor em economia (Unicamp) e titular da Cátedra Paschoal Senise (USP); pesquisador associado da FGV

São múltiplas as formas a se atribuir à invisibilidade. No magnífico conto "O Homem Invisível e Outras Histórias do Padre Brown", G. K. Chesterton relata mortes antecipadas por cartas e realizadas por um assassino oculto. O velho detetive Padre Brown descobre que o assassino é o carteiro que entrega as cartas ameaçadoras. Carteiros são invisíveis, ninguém os distingue.

Essa imagem recai sobre a educação superior brasileira, onde as invisibilidades não se furtariam ao manto diáfano. É difícil distinguir a regulação que permite a expansão das universidades. Como no caso do carteiro, espera-se que o sistema de regulação e avaliação leve a universidade a entregar formação e pesquisa que gerem impactos relevantes à sociedade. Espera-se que a expansão da educação superior alcance as razões do desenvolvimento da nação, favorecendo a produtividade, a competitividade econômica e o bem-estar social. Espera-se que entregue cultura e aperfeiçoe as políticas públicas, favoreça o acesso à educação básica, ao emprego, combata desigualdades e incentive direitos e inclusão social. Seria esperar muito?

Praça do Relógio na USP, a universidade com a melhor avaliação do país - Adriano Vizoni/Folhapress


No entanto, conduzida por um sistema avaliativo e regulatório incipiente, baseado em normas e regras básicas, sem se incomodar com inovações curriculares articuladas com a pesquisa, a extensão, a cultura e o emprego, e ainda desincumbida de estímulos à construção de agendas efetivas com a sociedade, a expansão da educação superior sucumbe num espalhamento desordenado de vagas, que resulta na reprodução não assistida de milhões de matrículas. Universidades são, via de regra, levadas a segmentar suas atividades de pesquisa, formação e extensão para atender a uma avaliação segmentada que a despedaça e desordena.

A avaliação governamental, especialmente em cursos superiores e instituições, não as distingue pelo estágio de maturidade, impacto esperado ou desenvolvimento. Todas são submetidas aos mesmos procedimentos, indicadores e avaliadores. A avaliação causa pouco ou nenhum efeito nas melhores e ainda desestimula as mais recentes em articular compromissos com o desenvolvimento do país.

O sistema regulatório e avaliativo que submete a educação superior, se não faz mal, pode ainda não fazer bem na mesma medida em que as instituições em geral repercutem em suas ações os limites regulatórios.


Nessa direção, centenas de instituições seguem a regra rasa e, com as exceções devidas, acabam tropeçando em alta evasão e baixo impacto dos egressos.

O resultado vem se dando em diplomas despregados de requisitos profissionais, com baixas calorias em conhecimento e ricos em carboidratos que diluem as competências, a criatividade e o repertório cultural, expressando alto custo à produtividade industrial, à qualidade dos empregos e ao processo sucessório de formação de novos cientistas e pesquisadores.

Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, em finais de 2022 o Brasil contava com cerca de 5,4 milhões de diplomados sem emprego na área ou desempregados. De acordo com o jornal O Globo, no segundo trimestre de 2022 78,6% dos trabalhadores com diploma de graduação só encontraram trabalho em áreas em que a formação acadêmica não seria necessária.


Ao mesmo tempo, o Brasil conta com apenas 19,5 % dos jovens de 18 a 24 anos que ingressam na educação superior, entre as 9,5 milhões de matriculas existentes. Cerca de 60% dos estudantes evadem. Nos cursos de engenharia, a evasão alcança os 68% e, nos de licenciatura, varia de 65% a 73%.

A universidade publica brasileira, que vem se recuperando de anos sombrios de ataques e de mortal escassez, pode, em conjunto com a comunidade científica, uma das mais relevantes e produtivas do planeta, associar-se às mudanças regulatórias e avaliativas em curso pelo ministro da Educação e apoiar uma nova expansão capaz de devolver ao Brasil o crescimento e o bem-estar social por meio do conhecimento, da ciência, da cultura e da inovação.

No instigante conto "O País dos Cegos e Outras Histórias", H.G. Wells nos explica que entre cegos não há invisibilidade; todos se reconhecem e, assim, ao ambiente e ao futuro comum. É necessário ao Brasil reconhecer a educação como único acesso ao futuro.

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