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'Cosmovisão' de Pablo Marçal levou pupilo a Alphaville, QG do candidato e meca da nova autoajuda

Empresário deixou Ribeirão Preto em busca de 'inteligência emocional' na região que abriga empresas dos principais 'mentores' e 'coaches'

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Barueri (SP)

Marcelo Facci, 43, vivia em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, com a esposa e os três filhos. Cuidava do patrimônio e dos negócios de sua família. Por causa de Pablo Marçal e de outros "mentores" e "coaches" que o influenciam, mudou-se em julho de 2023 para Alphaville.

O bairro localizado entre os municípios de Barueri e Santana do Parnaíba, na região metropolitana da capital paulista, é uma espécie de meca do milionário mercado da nova autoajuda, do qual Pablo Marçal é um dos principais expoentes.

"Ele [Marçal] ajudou muito a mudar minha mentalidade, é um libertador. Quando vim para cá [de passagem] para a imersão do Método Destiny, estava querendo mudar de casa [em Ribeirão Preto], mas não deu certo. Dentro de nossa fé, sentimos no coração [que deveriam se mudar para Alphaville]. [Pensamos:] ‘Será que Deus não tem algo pra gente aqui?’. Não tem coincidência, é ‘Deuscidência’, é ‘Jesuscidência’", relata Facci.

O empresário Marcelo Facci (esq) com Pablo Marçal durante pescaria - @marcelo_facci no Instagram

"Aqui tem um ambiente que expande a mentalidade, tem essa busca pela inteligência emocional", diz, sobre os atrativos da sua nova morada. O Método Destiny a que ele se refere é ministrado pelo "mentor" Tiago Brunet e conclama os interessados a "abandonar o ciclo de escassez para construir uma vida de paz e prosperidade".

Facci também acompanhava as palestras de Paulo Vieira, cujo Método Cis se vende como "o maior treinamento de inteligência emocional do mundo". A trinca mais bem-sucedida da autoajuda da era digital –Marçal, Brunet e Vieira– está toda instalada em Alphaville.

Candidato a prefeito de São Paulo em ascensão nas pesquisas, Pablo Marçal morava na região –num vídeo, o influenciador Renato Cariani, amigo do candidato e réu por suspeita de tráfico de drogas, visita a mansão dele em Alphaville– até mudar seu domicílio para São Paulo na véspera do prazo estipulado pelo TSE, e tem ali a sede de alguns dos seus principais negócios.

Em sua declaração de bens à Justiça Eleitoral, a maior parte dos R$ 193,5 milhões vem de empresas e imóveis baseados em Barueri. A Aviation Participações, da qual Marçal diz ter 80% do capital social (no valor de R$ 80 milhões) e cuja atividade principal registrada na Receita Federal é "holdings de instituições não-financeiras", fica na alameda Tocantins, bairro de Alphaville Industrial.

Complexo no bairro de Alphaville Industrial, em Barueri, onde Pablo Marçal oferece cursos e onde estão registradas algumas de suas empresas - Fabio Victor/Folhapress

É o mesmo endereço onde estão registradas outras empresas do candidato. E é a sede da Plataforma Internacional, um complexo onde ocorrem palestras, cursos, "mentorias" e outras atividades oferecidas por Marçal, uma enorme caixa de vidro ao lado de um posto de gasolina.

Marcelo Facci conta que a princípio não deu muita atenção ao hoje candidato. "Demorei um pouco para começar a ouvir o Pablo, só em 2022. Antes eu achava que o que ele falava parecia estar contra os princípios bíblicos, o achava meio doidinho."

"Aí vi uma live inteira, em que ele começou a falar sobre os princípios da família. O pessoal pagou para ouvir sobre dinheiro e ele falou como ser um bom marido, um bom pai. Vi que a coisa da grana é só uma embalagem para falar de coisas mais profundas."

Resolveu fazer os cursos de Marçal. Primeiro fez um chamado SPR [Sabedoria, Prosperidade, Riqueza] por 40 dias. Em 2023, optou pela mentoria Jogo da Vida/Pior Ano, durante um ano, pela qual diz ter pagado cerca de R$ 5.000 em 12 vezes. Por uma atividade dessas, o "mentor" responde a um inquérito por tentativa de homicídio sob a acusação de ter colocado a vida de seus seguidores em perigo numa expedição.

E por último, já morando em Alphaville, Facci fez o Método IP presencial, pelo qual diz que desembolsou R$ 14 mil, por apenas dois dias de curso. Apesar do valor, ele diz que não há vagas para quem queira. E por que isso? "Pela entrega. Não dá para falar muito, é pras pessoas fazerem. Mas ele trabalha identidade e propósito [daí a sigla do produto]." (Foi numa dessas que Marçal fez um mise-en-scène da quebra de um relógio que diz custar R$ 1 milhão.)

Cristãos, Facci e a esposa abandonaram o catolicismo e desde 2008 viraram evangélicos –frequentam a igreja Lagoinha de Alphaville. "Mudamos pela falta da clareza do conhecimento da palavra e discordância de alguns valores da Igreja Católica."

Facci elogia a "maturidade espiritual" de Pablo Marçal. "Assim como ele, vemos o dinheiro como energia para potencializar nossa verdadeira riqueza, que são a família e o propósito. Ele tem um lado muito forte de princípios, valores, uma cosmovisão que o diferencia de outros players que focam muito mais em finanças."

Mas a exibição de riqueza do candidato é tida como virtude. "A maioria das pessoas ficam ricas quietinhas, é a nossa cultura. Pablo Marçal sempre entregou tudo, foi transparente, mostrou como consegue fazer dinheiro", diz Facci.

"O Brasil é cristão de raiz franciscana, há uma mentalidade de culto à pobreza muito forte, como se riqueza fosse algo nocivo. A palavra diz que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males, mas não diz que o dinheiro é a raiz de todos os males."

Como muitos dos pupilos de Marçal, Facci e a esposa têm sua própria mentoria, chamada Família Real, cujo slogan anuncia: "Construindo um exército de famílias fortes com paz e harmonia nos lares". Estão na terceira imersão, com a quarta anunciada para setembro. Fazem também mentorias por vídeo.

Branco, eleitor de Bolsonaro nas duas últimas eleições (no primeiro turno de 2018, votou em Amoêdo e diz estar arrependido) e evangélico, Facci integra a faixa de eleitorado em que Pablo Marçal mais cresce.

Faz campanha para o candidato, mas não poderá votar nele, pois não mora em São Paulo –nem sequer transferiu a tempo o título para de Ribeirão Preto para Santana do Parnaíba. E se, em 2026, Marçal sair candidato à Presidência e porventura Bolsonaro puder concorrer também? "Sem sombra de dúvidas que Pablo seria melhor para o país."

Facci faz pouco dos problemas com a Justiça e outras acusações contra o candidato a prefeito. Sobre a condenação do candidato, em 2010, por furto qualificado, diz que Marçal entrou de gaiato na história porque "foi chamado, como técnico, para arrumar o computador de líderes da igreja que ele frequentava, sendo que posteriormente se descobriu que havia um dos líderes dos jovens envolvidos com a quadrilha".

Não é o que mostra o processo, segundo o qual Marçal indicava vítimas a quadrilha e sabia de fraude.

Facci acha que "o povo pega no pé" do candidato e "distorce muito". Quanto ao inquérito no qual Marçal é investigado por ter colocado a vida de seus seguidores em risco, afirma: "Não concordo que ele colocou a vida de outros adultos em risco, pois ele não era guia e nem promotor de expedição. É como ele mesmo diz: cada um cuida da própria vida".

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