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É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor

Pablo Marçal, ou o elogio à irresponsabilidade

Desafiar a montanha sem conhecer-lhe as regras é chamar os deuses para a briga

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A proposta deste blog, que estreou na sexta-feira (7) é conversar com o leitor uma vez por semana. Mas sempre haverá exceções -para o bem e para o mal. No caso, hoje, para o péssimo.

Nenhum amante de trilhas, montanhas e natureza pode deixar passar batida a insanidade do grupo de 67 seguidores de um cidadão chamado Pablo Marçal, que resolveu subir ao Pico dos Marins, em Piquete (SP).

Autodenominado coach e influencer messiânico, com mais de 2 milhões de seguidores no Instagram, Marçal ignorou todas as regras de segurança e as advertências dos guias especializados da região para levar um grupo inexperiente de pessoas cheias de boa vontade (mas nenhum conhecimento de montanhismo) a 2.420 metros acima do mar. Pior: debaixo de fortes chuvas e com ventos fortes que rasgaram as barracas dos poucos que conseguiram chegar ao topo.

As cenas e frases motivacionais de Marçal aos que com ele chegaram ao topo são de arrepiar o mais leigo dos principiantes. Com barracas rasgadas e o vento quase derrubando as que restavam, veem-se as chamas de um fogareiro atiçadas pela ventania, ameaçando queimar as precárias paredes em que os eleitos se amontoavam. Os farrapos foram deixados para trás, como conta o próprio Marçal, que acrescenta que seriam contratados sherpas para recolherem o que restou do improvisado e mal ajambrado acampamento.

Sherpas são os guias que acompanham toda expedição às montanhas do Himalaia. Não se tem notícia de qualquer contato de Marçal com os bravos escaladores asiáticos e, procurado pela reportagem, o "coach" não retornou os contatos até o fechamento deste texto. Em todo caso, regra de ouro do montanhismo é nunca deixar lixo para trás. Você leva de volta tudo o que carregou para a trilha. Ou já contrata quem vai seguir para fazer o trabalho sujo para você. Sim, tem quem viva disso.

Em outro momento do vídeo, em meio a citações bíblicas e orações improvisadas, Marçal insiste em que a vontade tudo pode e que, amarrados um ao outro, com a habilidade que, invoca ele, "o Senhor nos dá", poderão chegar ao topo, contra todas as recomendações. Sem visibilidade e com alto risco de escorregões em uma trilha que os bombeiros só recomendam percorrer em épocas secas, uma receita pronta para despencarem todos morro abaixo. O Senhor, com certeza, teve um dia cheio para proteger tantos incautos.

Do grupo original, 32 pessoas precisaram ser resgatadas pelos bombeiros na madrugada e 28 tiveram o bom senso de desistir da empreitada a tempo. A esses, como mostra o vídeo que o próprio Marçal publicou no YouTube, ele desafiava "Você não confia em Deus?", enquanto a razão levava uma mulher a responder que em Deus ela confiava, mas tinha filhos em casa para cuidar. Sabiamente, parece que ela abandonou a empreitada.

O caso mobilizou a comunidade montanhista de todo o país, que fez circular o manifesto abaixo pelas redes sociais, bombando a hashtag #pablomarcalrespeiteamontanha.

Montanhismo é muito mais que um esporte, é uma filosofia que levamos como um estilo de vida por representar valores e dedicação.

Montanhistas brasileiros são engajados a defender a cultura da atividade, proteger o meio ambiente e nos prestamos a realização de ações em prol da conscientização para uma prática segura, responsável e de impactos mínimos. Propondo a reflexão em como isso afetará não somente a si próprio mas como também a natureza global a qual fazemos parte.

Com essa percepção e atônitos, viemos a público repudiar a atividade amplamente divulgada nas mídias sociais de Pablo Marçal no evento que reuniu 67 pessoas em situação de risco na trilha Pico do Marins de 2421m de altitude, sendo uma das mais altas da Serra da Mantiqueira.

Promovida pelo Coach, o evento foi realizado na contramão da cultura do montanhismo e das boas práticas, não deixando espaços para que o acontecido seja tido como normal e aceitável.

Desejamos que participantes das atividades outdoors desenvolvam uma visão holística e coletiva do mundo. Tudo está interligado! Traçando uma linha de coerência entre suas atitudes, o que almeja a frequentar esses lugares e apresentar um comportamento mais positivo.

Restabelecendo assim uma nova conexão com o ambiente natural e tratando-o como o que ele é: a nossa casa.

Exigimos de Pablo, uma retratação imediata diante do acontecido, divulgado pelo próprio, a respeito do estímulo a situações de riscos ao qual promoveu publicamente e imediatamente cumprir medidas de segurança necessária e limitação de quantidade de participantes para possíveis futuros eventos.

Prezando assim, além da segurança dos participantes, a preservação do meio ambiente que abriga espécies endêmicas e com alto fluxo de visitantes não tem tempo suficiente para se recuperar, tornando necessário estabelecer uma conduta menos agressiva.

#pablomarcalrespeiteamontanha

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