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IA vira candidata, faz jingle, escreve lei e entra na campanha eleitoral

Primeira eleição com inteligência artificial deve ajudar postulantes sem verba, mas acende alerta para deepfakes

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São Paulo

O pano preto cai, a tela é revelada, e um robô branco e magro passa a dançar ao som de música eletrônica. "Oi! Eu sou Lex, a primeira inteligência artificial legislativa do mundo", apresenta-se a voz masculina, que às vezes mistura o sotaque do in terior paulista com português de Portugal.

A máquina faz parte do que o cientista da computação Pedro Markun (Rede) chama de "candidatura híbrida" à Câmara Municipal de São Paulo: formada por ele, um humano, e ela, uma IA. A "dupla" é o exemplo mais marcante de como a inteligência artificial já entrou nestas eleições.

O programador Pedro Markun, 38, em lançamento da Lex, inteligência artificial com quem forma uma "candidatura híbrida" à Câmara Municipal de São Paulo pela Rede - Folhapress

O Brasil vive sua primeira campanha após a popularização do ChatGPT —com 200 milhões de usuários por semana no mundo— e de outras ferramentas similares, que geram textos, imagens, áudios e vídeos.

De um lado, candidatos usam a tecnologia para criar jingles e cartazes, escrever leis e conversar com eleitores em aplicativos de mensagem, o que pode ajudar quem tem poucos recursos. De outro, a chamada deepfake ou manipulação de conteúdo testa limites de uma regulação ainda incipiente.

No mais extremo dos casos, o paulistano Markun propõe que a IA seja uma "fazedora de política". "Essa tecnologia está transformando tudo. Se não a colocarmos no debate, ela vai se infiltrar nos gabinetes, e a política estará sendo feita de maneira sintética sem que o cidadão saiba", defende.

Ele argumenta que isso já acontece hoje, com a "tiktokização da política" e com algoritmos influenciando as decisões de legisladores e chefes do Executivo. A discussão, diz, não foi feita quando as redes sociais surgiram, e assim boas práticas públicas de transparência se perderam no caminho.

A ideia de Markun então foi treinar, com auxílio de uma equipe de técnicos, seu próprio robô legislador. Segundo ele, Lex poderá ler enormes volumes de leis, propor melhorias, analisar e acender alertas em contratos da prefeitura e ampliar a participação pública ao conversar com os cidadãos em apps de mensagem.

O candidato, no entanto, afirma que tomaria todas as decisões, à diferença de um experimento ocorrido no Reino Unido. Lá, o empreendedor da tecnologia Steve Endacott criou o AI Steve, um boneco 3D de cabelos grisalhos à sua semelhança que concorreu ao Parlamento britânico de forma inédita no mundo em julho.

Nesse caso, o robô escreveria as propostas, as submeteria à consulta pública num site, e o Steve humano apenas levaria as medidas à Casa, sob o argumento de aumentar a confiança do eleitor na democracia. O candidato, contudo, teve a pior votação do país, e a ideia não passou de um ensaio.

Em São Paulo, Markun ainda terá que superar desafios como falhas do sistema e a desconfiança das pessoas com a tecnologia. "Se a conclusão da sociedade for 'não queremos isso de jeito nenhum', ainda assim será uma vitória. A derrota é não falarmos sobre o assunto", rebate.

Não seria a primeira vez que uma IA escreveria uma lei no Brasil. No ano passado, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou uma proposta redigida em poucos segundos pelo computador do vereador Ramiro Rosário, candidato à reeleição pelo Novo. O texto isenta a população de pagar pela reposição de hidrômetros furtados.

Para Rosário, defensor do Estado mínimo, o modelo pode simplificar processos e reduzir gastos públicos. "Será possível substituir departamentos inteiros e ainda trazer qualificação", afirma ele, que hoje usa a ferramenta para gerar relatórios de comissões, esboçar projetos de lei e roteirizar vídeos.

Outro uso estreado na semana passada por Tabata Amaral (PSB), candidata à prefeitura paulistana, foi a assistente virtual Rita, um contato no WhatsApp que responde dúvidas sobre propostas e aceita sugestões —como também pretende fazer o vereador e candidato carioca Pedro Duarte (Novo), com o "Duartinho".

Segundo Evelyn Gomes, diretora da ONG LabHacker (Laboratório Brasileiro de Cultura Digital), o "chatbot" de Tabata ainda tem algumas limitações: usa uma linguagem padronizada do ChatGPT e não consegue fazer elaborações mais complexas que fujam de perguntas pré-determinadas.

No último ano, sua organização foi contratada pelo núcleo de mulheres do PT e treinou 90 candidatas no interior do Brasil sobre como usar a tecnologia. "Para quem tem pouco acesso a recursos, acaba sendo uma equipe, se você souber fazer os pedidos corretos à plataforma", diz Evelyn.

A IA tem permitido, por exemplo, que Danilo da Educação (PSB) toque a campanha a vereador em Itapetininga, a 166 km da capital paulista, apenas com a ajuda de uma amiga e seu namorado. Depois de assistir a um tutorial no YouTube, ele recorreu à plataforma Suno para fazer seu próprio jingle em ritmo sertanejo. "É a batida que o pessoal gosta aqui na cidade", afirma.

A popularidade dos jingles gerados por IA já é uma realidade, atesta Willy Moreira, dono da empresa de marketing digital Adonay, que diz ter vendido 1.300 composições do tipo em três semanas. Elas custam R$ 199, contra R$ 399 em versões gravadas por músicos —para candidatos a prefeito, o preço sobe até R$ 1.200.

Além disso, segundo Moreira, a música digital demora 24 horas para ficar pronta e a gravada, 72 horas. E não há tanta diferença em originalidade: "No estúdio, nós temos uns 20 playbacks gravados para o cliente escolher, junto com a batida e quatro opções de voz", diz.

Por outro lado, às margens das campanhas, circulam as deepfakes: imagens e áudios adulterados com IA para simular identidades. É o caso de um vídeo falso em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) diz apoiar o influenciador Pablo Marçal (PRTB), cuja circulação foi suspensa pela Justiça Eleitoral na última semana.

Esse tipo de conteúdo foi proibido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pode implicar em cassação da candidatura ou mandato, além de multa e detenção por até um ano. As novas regras, aprovadas de maneira inédita em fevereiro, também obrigam os candidatos a inserir avisos em qualquer material gerado por IA.

As deepfakes são a principal preocupação do tribunal, segundo o ministro da corte eleitoral Floriano Azevedo Marques Neto. Como diz a música eletrônica que embala a dança do robô Lex, porém, "o futuro é inevitável".

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