Há 25 anos, massacre do Carandiru resultou na morte de 111 detentos
Niels Andreas - 2.out.1992/Folhapress | ||
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Corredor alagado de sangue na Casa de Detenção de São Paulo, após a intervenção da Polícia Militar |
O massacre do Carandiru completa hoje 25 anos. A Folha e a seção no "Saiu no NP" resgatam o que foi esse fato e o impacto para a sociedade.
Confira abaixo.
AUGUSTO CÉSAR BORGES
DO BANCO DE DADOS FOLHA
O jornal "Notícias Populares", que em 2013 comemorou 50 anos de sua primeira edição, publicou importantes fatos do país. O massacre do Carandiru, que resultou na morte de 111 presos após invasão da Polícia Militar na Casa de Detenção em São Paulo no dia 2 de outubro de 1992, foi um deles.
De acordo com relatos oficiais, a ação no presídio fora motivada por uma briga de presos, de duas facções rivais, no campo de futebol. Ao se espalhar para o pavilhão, a contenda tomou maiores dimensões. Para a polícia, a ameaça de rebelião provocou a intervenção da Rota e da Tropa de Choque, que invadiram o recinto com cães e armamento para reprimir a agitação. A ação, que durou cerca de 30 minutos, provocou a morte de dezenas de detentos e se tornaria uma das maiores crises da história da Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP.
O conflito no presídio tomou a imprensa em geral e virou destaque no "NP", que dedicou ao Carandiru exatos 12 dias consecutivos só de primeira página. Mesmo mantendo a linguagem coloquial que marcou a história do diário, seu tom bem-humorado tão característico articulou-se a um jornalismo com prestação de serviço e compromisso com a liberdade de expressão.
A invasão da polícia no Pavilhão 9, porém, teve tímida repercussão no "NP" do dia seguinte. No sábado, na seção "RX das Cidades", a chamada ocupou só duas colunas de jornal, que relatou o caso como "rebelião mata 8 no Carandiru."
Já a partir do domingo a cobertura subiu o tom. Com a capa intitulada "Massacre de Presos na Detenção!", o "NP" entrou de vez no caso e falou no "maior massacre que já ocorreu num presídio". A reportagem deu especial atenção ao número de vítimas, à descrição de testemunhas que tiveram acesso ao local logo após a invasão das tropas e aos relatos dos parentes que, sob atenta escolta policial, aguardavam do lado de fora da cadeia por informações.
Enquanto José Luís da Conceição, então fotógrafo do "NP", era censurado e detido por policiais, que procuravam dificultar a apuração da imprensa, os jornalistas tentavam colher as várias versões do caso, polarizadas de um lado pelo governo do Estado de São Paulo, na época chefiado por Antônio Fleury Filho e que falava em "8 mortos", e de outro por parentes de vítimas, que diziam haver mais de 300 óbitos.
Após repórteres do "NP" conseguirem entrar no necrotério para onde foram levados os corpos e verem o estado dos mortos, o jornal reagiu por meio de um editorial, lançado na segunda-feira, dia 5. O diário condenou o "massacre" e culpou o poder público pela "chacina". Intitulado "Vergonha!", o texto criticou a conduta das tropas de segurança e chamou o evento de "Holocausto da Detenção".
Nos dias seguintes, a reportagem acompanhou as investigações, o processo de identificação dos corpos e tentou esmiuçar o que ocorreu no Pavilhão 9, até com testemunhos de sobreviventes e funcionários da Casa de Detenção.
Passada quase uma semana, o "NP" divulgou na capa do dia 8 os primeiros estudos de opinião sobre a repercussão da ação no presídio. Com o título "Massacre na cadeia divide o povão", pesquisa do Instituto Datafolha realizada em São Paulo com 1.080 pessoas apontou que 53% da população se posicionou contra a atuação da PM no dia da invasão. Já 29% se colocaram a favor da intervenção, ao passo que o restante não soube responder.
Com a chamada "Amigos da Rota atrapalham o trânsito", o diário publicou em 10 de outubro de 1992 manifestações em apoio ao trabalho da tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo no Pavilhão 9. A primeira página destacou que cerca de 500 pessoas protestavam em frente à sede do Batalhão da Rota, na zona norte de São Paulo, e pediam a volta dos comandantes afastados pelo governo estadual após o escândalo.
Em "Eu amo a Rota", publicado em 15 de outubro, entrevistados defenderam a corporação e alegaram que não houve chacina dentro do presídio. As autoridades do governo, como Pedro Franco de Campos, secretário da Segurança Pública do Estado, e o coronel Hermes Bittencourt Cruz, comandante da polícia, ocuparam quase que diariamente as páginas do jornal. Para eles, os policiais só reagiram à investida dos presos.
Contrariando a versão oficial, os parentes dos mortos também tiveram espaço. Com a manchete "NP dá uma força aos parentes", o jornal anunciou ajuda às pessoas afetadas pela "chacina". O periódico chegou até a disponibilizar as dependências de sua redação para assessorar os parentes que desejavam solicitar indenização ao Estado pelos danos sofridos.
A experiência vivida no Pavilhão 9 era relatada aos jornalistas por meio dos poucos parentes que tiveram acesso aos sobreviventes. "Preso forçado a mergulhar no sangue aidético"; "PM metralha até preso que não andava" ou "111 corpos mutilados com balas e dentadas de cães" foram algumas das chamadas de capa baseadas em declarações de familiares dos detentos.
Não é difícil encontrar no "Notícias Populares" da época o estilo único com o qual tratou os fatos, como em "Tomou 7 tiros e não morreu", sobre um prisioneiro que "tomou uma chuva de chumbo e está inteiro", e "Traçou a irmã no Pavilhão 9", que relata a história de um detento morto que teria tido quatro filhos com sua irmã.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
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Massacre no Carandiru |
Outras capas dos primeiros 12 dias de cobertura se caracterizaram pela mistura entre a crítica, a informalidade e a ironia. Em "Pena de morte no Pavilhão 9", do dia 11, o diário revelou um raio-x do setor, que na ocasião era ocupado especialmente por presos cujos casos nem sequer haviam sido avaliados pela Justiça.
A informalidade pôde ser vista na capa publicada de 7 de outubro, que chamou a atenção para o "tresoitão que pega bem no coração"; para o "tiro que racha um cara em dois" e para a metralhadora que "estraçalha 20 de uma vez só". Por fim, o "NP", para revelar que cães da PM foram utilizados para atacar os presos, publicou "Bestas da PM matam sem dó".
Ao final da cobertura, o diário surpreendeu ao publicar mais um editorial sobre o caso. Os 12 dias de capas sobre o Carandiru se encerraram com o artigo do dia 15 chamado "Contra a Violência". Em tom bastante formal, o "NP" condenou os métodos da polícia para restabelecer a ordem na Casa de Detenção, dizendo que "não se pode admitir que a violência, a barbárie e a absoluta falta de escrúpulos tomem conta da atividade policial".
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Cronologia
2.out.1992
111 presos são mortos na Casa de Detenção em São Paulo após invasão da PM
2001
Coronel Ubiratan, apontado como responsável pela ordem para invadir o Carandiru, é condenado a 632 anos de prisão, por 105 das 111 mortes
Fev.2006
Tribunal de Justiça de SP absolve o coronel, ao entender que a sentença do júri havia sido contraditória
10.set.2006
Ubiratan é encontrado morto; única acusada do crime, sua ex-namorada foi absolvida em 2012
21.abr.2013
Após 21 anos, julgamento do 1º andar é concluído
3.ago.2013
Conclusão do julgamento do 2º andar
19.mar.2014
Conclusão do julgamento do 4º andar
31.mar.2014
Conclusão do julgamento do 3º andar
10.dez.2014
Ex-PM da Rota que foi julgado separadamente é condenado a 624 anos de prisão; ele já estava preso por outras mortes. Seu caso foi separado porque, na época, a defesa pediu que ele fosse submetido a laudo de insanidade mental
27.set.2016
Após recurso da defesa, Tribunal de Justiça de SP anula todos os julgamentos por 2 votos a 1
11.abr.2017
Como não houve unanimidade na decisão anterior, TJ-SP chama mais 2 desembargadores e decide por um novo julgamento
O QUE ACONTECE AGORA
> Se não houver mudança pelos tribunais superiores, novos júris devem ocorrer, mas ainda sem data definida
> Enquanto isso, a Promotoria deve recorrer ao STJ para manter as condenações
*Parte das mortes não resultou em condenações porque não havia provas de que haviam sido causadas por policiais
Fontes: Ministério Público e Fundação Getúlio Vargas

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