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Ambiência - Ana Carolina Amaral
Ana Carolina Amaral
Descrição de chapéu
desmatamento

Degradação: o segundo e decisivo 'D' para se combater na Amazônia

Pesquisadores defendem que degradação entre na mira do governo em novo plano contra desmate

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Wendell Andrade

Nos noticiários, um assunto é campeão quando o tema é Amazônia: desmatamento. No entanto, com o avanço da ciência tem sido possível compreender uma ocorrência tão prejudicial quanto, que também começa com a letra "D": a degradação florestal.

Diferente do desmatamento, a degradação é sorrateira, silenciosa, resultante do fogo ou da retirada (ilegal) de árvores para madeira, fazendo com que as imagens aéreas do "tapete verde" não enxerguem o problema. Assim, estudar, monitorar, prevenir e combater a degradação demanda um aparato tecnológico mais apurado, já que ela pode passar invisível por satélites em certas condições.

Movimentação de balsas e tratores carregando toras de madeira em um porto improvisado às margens do rio Arapiuns, afluente do rio Tapajós, próximo à comunidade de Cachoeira do Aruã, em Santarém (PA) - Pedro Ladeira/Folhapress

Diferente do que o senso comum levaria a pensar, a degradação não é "mais leve". Estudos apontam que na prática ela empobrece a floresta em biodiversidade, água, alimentos, regulação de chuvas e controle de clima local, entre outros serviços essenciais às nossas vidas, ainda que a floresta esteja lá, "em pé".

Para completar, a floresta perde funções ecológicas essenciais à alimentação e à renda de milhares de famílias que vivem na e da floresta, bem como se torna incapaz de garantir as saídas econômicas nas quais governo, sociedade e mercado apostam fichas. São os casos da bioeconomia, do turismo, do manejo florestal e até do mercado de carbono. Os quatro dependem de florestas sadias, em bom funcionamento. Como a integridade é algo em constante ameaça numa floresta degradada, sai de cena a confiança, mãe de qualquer transação comercial no sistema econômico global.

Com a evolução da ciência e da tecnologia, já é possível constatar quantidade alarmante de degradação nas florestas amazônicas. De nada adiantará o Brasil vencer o desmatamento e em seguida se surpreender com uma "floresta em pé" – para usar o jargão da moda – mas degradada, que pode levar mais de 30 anos para se restabelecer. Como a emergência climática global tem nos alertado, tempo é algo que não temos a perder.

Embora sorrateira, a degradação já não é mais imperceptível. Nos últimos cinco anos, 52% da degradação florestal contabilizada pelo Sistema Deter (Inpe) na Amazônia aconteceu em apenas 25 municípios, onde a priorização de ações de prevenção e combate deve ocorrer, de acordo com o policy brief ‘A Degradação de Florestas Amazônicas Precisa Ser Combatida’, endossado por 24 pesquisadores.

Com o retorno de Lula e Marina a Brasília, a agenda de meio ambiente e desenvolvimento do Brasil ressurge. Seu êxito passa pela efetividade do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, o PPCDAm, lançado em 2005 e testado com sucesso numa época em que o Brasil conseguiu provar ao mundo a capacidade de reduzir desmatamento: de quando foi apresentado à sociedade, em 2004, até seu ano mais brilhante, em 2012, as ações coordenadas do PPCDAm reduziram o desmatamento no bioma em 83,5%.

Agora, um segundo "D" importa tanto ou mais que o primeiro: será necessário um Plano de Combate ao Desmatamento e à Degradação ("PPCDDAm"?), que exigirá do Brasil um senso ainda mais aguçado de inteligência e cooperação multinível. Assim como no caso do desmatamento, o combate efetivo à degradação florestal – evitando incêndios florestais, exploração ilegal de madeira e fragmentação das florestas – se impõe como um dos maiores desafios ao pacto federativo na dimensão ambiental.

Dada a magnitude e a complexidade inerentes ao bioma amazônico, espera-se que o novo "PPCDDAm" seja uma política nacional, em vez de federal, tendo por premissa o envolvimento coordenado de esforços de União, Estados e Municípios, no lugar da excessiva centralização em Brasília e no orçamento federal.

Uma iniciativa de pesquisadores dedicada a estudar degradação florestal na Amazônia submeteu propostas de inclusão do tema degradação durante a Consulta Pública do PPCDAm, aberta pelo governo federal no último mês de abril. Um levantamento apontou que das 540 contribuições recebidas pelo governo, apenas duas trataram sobre ações de combate à degradação florestal, o que evidencia a urgência de trazer o tema à luz.

Se o modelo de desenvolvimento para a Amazônia passa pela valorização da floresta não só em pé, mas saudável e funcional, o Brasil precisa objetivar "Degradação Zero" em seu rol de compromissos sociais, econômicos e institucionais, não apenas ambientais. Só assim toda a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos – realizados gratuitamente pela natureza em favor de nossa existência – colocarão o país na efetiva rota do desenvolvimento sustentável.

Wendell Andrade é engenheiro florestal e mestre em Desenvolvimento Local na Amazônia (UFRA/UFPA), liderança climática pela Al Gore’s Climate Reality Project e professor do Centro Universitário do Pará (Cesupa).

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