Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

O lugar onde Anita Malfatti fez sua exposição revolucionária

Prédio em que a pintora mostrou suas obras em 1917 continua de pé e conservado

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São Paulo

Andando pelas ruas do centro, cruzando o Viaduto do Chá, deparei-me com o prédio onde Anita Malfatti fez sua exposição crucial, aquela que foi capaz de mudar sua mentalidade e sua vida. E que ajudou também a transformar o Brasil.

Foi entre dezembro de 1917 e janeiro de 1918, período em que a Revolução Russa fervilhava. Aconteceu cinco anos antes da Semana de Arte Moderna e influenciou fortemente a grande festa modernista no Teatro Municipal.

O prédio onde aconteceu o evento, chamado de Exposição de Pintura Moderna, era o Salão do Palacete Lara ou Salão da Libero Badaró 111, um lugar aberto aos acadêmicos e às vanguardas.

Outrora, o número do edifício era 111 e hoje é 336. O térreo, no número 332, é ocupado pelo restaurante Pirandello e a construção de cinco andares está bem cuidada e mantém a beleza e a elegância.

Anita Malfatti
Retrato da pintora Anita Malfatti quando jovem - Domínio público

A exposição foi concorrida e teve apreciadores entusiasmados, mas um personagem que a visitou causou estragos na trajetória da pintora. Foi o escritor Monteiro Lobato, que viu os quadros e não gostou porque não encontrou naquelas obras o que classificava de "arte pura".

A partir da experiência do Palacete Lara escreveu um famoso artigo com o título "A propósito da exposição Malfatti", que ficou conhecido como "Paranoia ou Mistificação", publicado do jornal O Estado de S. Paulo.

No texto infame, Lobato dizia que a obra de Anita era e só poderia ser sincera nos manicômios e era fruto de um estado de psicose.

Também classificava Anita como uma classe de pintora que vê anormalmente a natureza, "à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos de cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência: são frutos de fins de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz de escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento".

Prédio onde Anita Malfatti fez sua exposição
Palacete Lara: prédio onde Anita Malfatti expôs suas obras - Vicente Vilardaga

Foi uma crítica cruel e provinciana e, por causa do vanguardismo da exposição, a artista foi injustamente atacada. Entre 1910 e 1916 ela havia estudado na Europa e nos Estados Unidos e trazido ideias avançadas sobre pintura, além de uma forte influência expressionista. Estava à frente de seu tempo e Lobato não foi capaz de compreendê-la.

Seja como for, a exposição ficou para a posteridade e é considerada um marco histórico das artes plásticas no país. O prédio onde ela aconteceu tem uma daquelas plaquinhas azuis que a Prefeitura coloca em locais onde houve grandes acontecimentos na cidade.

Entre os trabalhos expostos por Anita estavam "A Boba", "Torso/Ritmo", "O Japonês", "A Estudante Russa", "O Homem Amarelo" e "Mulher de Cabelos Verdes".

O salão do palacete cedido pela exposição pertencia ao conde Lara, cujo nome era Antonio de Toledo Lara. Quando Anita exibiu suas obras, o prédio acabava de ser inaugurado = o alvará para a construção é de maio de 1916. O mesmo local, anteriormente, foi ocupado por uma loja de cerâmica e por uma fábrica de coroa de flores para enterros

Obra de arte
'O Homem Amarelo', de Anita Malfatti, que fez parte exposição de 1917 - Coleção de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros da USP/Divulgação

Apesar de abrigar um evento de vanguarda, o perfil do salão era eclético. O espaço cedido pelo conde para as exposições era o andar térreo do edifício, onde hoje está o restaurante Pirandello.

Além de Anita, paisagistas convencionais e acadêmicos como Alfredo Norfini ou o argentino S.M. Franciscovich, também mostraram seus quadros ali.

Quem descobriu o local exato onde aconteceu a exposição de Anita, que já havia exibido sua produção em pelo menos mais uma ocasião, foi o artista plástico e pesquisador Edgard Santo Moretti.

Ele descobriu o endereço durante suas pesquisas sobre a Semana de Arte Moderna. O prédio da Libero Badaró é um lugar fundamental do modernismo brasileiro, um local de ruptura onde uma das grandes pintoras do Brasil pode mostrar abertamente sua arte. Mas ela nunca mais foi a mesma depois dessa exposição e da crítica de Lobato.

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