Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

O movimento artístico proletário de Guaianases

Grupo da periferia marcou os anos 80 e 90 com poderosa pintura figurativa

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São Paulo

Entre os anos 80 e 90 houve um coletivo de artistas da Zona Leste denominado Grupo Guaianases. Dispersou-se pelo tempo e pela morte de alguns membros. Mas deixou um importante legado periférico na arte paulistana que não se apaga, como o Grupo Santa Helena na década de 30. O núcleo original era formado pelos pintores Antonio Vitor, Charbel Hanna El Otra, Décio Soncini, Francisco Gonzalez e Jair Glass, a maioria de origem proletária.

Viviam quase todos na região de Itaquera e Guaianases e se encontravam regulamente para discutir ideias, para pintar ao ar livre com seus cavaletes ou para trabalhar na casa de Antonio Vitor, onde havia um ateliê. O grupo era fortemente influenciado pela estética expressionista, mas vários integrantes tinham pendores surrealistas.

Grupo Guaianases
Os cinco integrantes do Grupo Guaianases: Charbel, Soncini, Vitor, Gonzalez e Glass - Acervo pessoal

O grupo se conheceu no bairro e na Faculdade de Belas Artes, onde estudavam Vitor, Soncini e Glass. O pai de Vitor trabalhou 35 anos da União dos Refinadores de Açúcar e Café, na Mooca. Vitor, natural de São José do Rio Pardo, chegou a fazer bicos de pedreiro e marceneiro. O pai de Glass foi pedreiro e oleiro, o de Charbel, vendedor ambulante, e o de Gonzalez, caminhoneiro. O único que tinha uma origem de classe média era Soncini, a quem Vitor classificava como o burguês da turma.

Nos anos 80, os jovens artistas começaram a se reunir na Galeria Paulo Prado, localizada na Rua Engenheiro Alcides Barbosa, nos Jardins. A galeria funcionou de 1974 até 1993, sucumbindo aos efeitos nefastos do Plano Collor. Foi lá que Vitor realizou algumas de suas primeiras exposições individuais, assim como Soncini. Foi também uma saída perfeita que o grupo encontrou para mostrar sua arte para públicos mais elitizados.

Jair Glass
O artista Jair Glass trabalha em seu ateliê - Cris Glass

O nome Guaianases, inclusive, surgiu ali. Prado fazia exposições mensais e os cinco membros sempre compareciam. E quando chegavam o galerista brincava: estão chegando os Guaianases. Ao vê-los conversando também dizia que era "papo de comunista". Oficialmente, porém, quem batizou o coletivo foi o crítico Antonio Zago, que prestava serviços para Prado e usou o termo em uma reportagem que produziu para o Folhetim, suplemento cultural da Folha de S.Paulo, com o título "Guaianases, Guaianases".

"O grupo surgiu de maneira espontânea e foi um milagre conhecer Antonio Vitor", afirma Glass. "A gente tinha afinidades, mas também diferenças". Ele lembra que no começo diziam que seu desenho era uma espécie de realismo fantástico e, depois, começou a se falar em neo-expressionismo. "A verdade é que sou um artista intuitivo e diferentemente dos outros não sou pintor, mas desenhista", diz Glass. Ele acaba de lançar um livro sobre sua vida e obra chamado "Introduções a Escombros" (Cosac Naify). Soncini e Gonzalez também continuam ativos com um trabalho profícuo e consistente. Charbel e Vitor são falecidos.

Antonio Vitor
Nilza da Silva, irmã do artista, coordena o Instituto Casa Antonio Vitor - Vicente Vilardaga

A casa que abrigava os jovens no começo da carreira é hoje o Instituto Casa Antonio Vitor, que reúne todo o acervo do artista, incluídos milhares de desenhos e centenas de quadros e objetos. Desde sua morte, em 2011, toda sua obra estava abandonada em sua última residência em Santo Amaro, na divisa com Diadema. Até que sua irmã, Nilza Ruth da Silva, professora aposentada de história da arte, decidiu trazê-la para Itaquera e começar a restaurá-la. Em 2020 foi fundado o Instituto, que pretende ser no futuro um centro cultural em uma região desprovida desse tipo de equipamento. A ideia é entregá-lo para o Estado.

"A obra do Antonio Vitor está ligada com a classe proletária, porque, na minha opinião, ele fez uma opção de classe e nunca deixou de falar da periferia de um modo geral", diz Nilza, que conta com uma equipe de voluntários para ajudá-la na sua empreitada. "Meu esforço tem a ver com o Grupo Guaianases mas a prioridade é salvar a obra dele, preservá-la e mostrá-la para as novas gerações." Ela conta que Vitor era muito fiel às suas origens, se via como artista suburbano e marcou presença dentro de um cenário adverso sendo figurativo num momento em que a abstração predominava.

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