Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

Amador Bueno, o homem que não quis ser rei

Com o fim da União Ibérica, grupo de paulistas insatisfeitos tentou dar um golpe

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São Paulo

A União Ibérica durou de 1580 a 1640 e foi um período em que Portugal ficou sob domínio espanhol, assim como o Brasil e outras possessões coloniais. O rei português dom Sebastião havia desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, e como não tinha herdeiros, pois havia feito voto de castidade aos 14 anos, o trono ficou com seu tio, Cardeal Henrique de Portugal, que já era idoso e morreu dois anos depois. Abriu-se uma crise sucessória e quem acabou levando a melhor foi Felipe II da Espanha.

Por causa desse desenlace, Portugal ficou durante 60 anos sendo tratada como vice-reino, o que permitiu à população paulista ignorar os limites do Tratado de Tordesilhas e estreitar os laços com a América espanhola, que se tornou território livre para as entradas e apresamentos de indígenas e favoreceu o comércio e o contrabando com a região do Rio da Prata. São Paulo era a conexão prioritária nessas transações e transgressões.

Amador Bueno
Amador Bueno diante do velho mosteiro de São Bento, quadro de Oscar Pereira da Silva, de 1931 - Reprodução

Quando acabou a União Ibérica se instalou um ambiente de incertezas e muitos paulistas começaram a temer a perda dos privilégios que haviam alcançado e levaram a sério a possibilidade de se tornar independentes da coroa portuguesa.

Era necessário, porém, encontrar um rei e o escolhido, em 1641, foi Amador Bueno de Ribeira (1584-1649), ilustre homem de negócios, proprietário de terras, capitão-mor e ouvidor. Descendente de pai espanhol e de mãe brasileira, filha de um português com uma mameluca, parecia o personagem ideal para comandar a rebelião nativista.

Ele, porém, se recusou a assumir a pesada responsabilidade. Temendo as consequência de uma insurreição e as retaliações decorrentes, rejeitou a proposta dos revoltosos. Historiadores do passado dizem que teria sido, inclusive, ameaçado de morte caso não quisesse carregar o cetro real. Mesmo assim, saiu de casa, escondido e foi se refugiar no mosteiro de São Bento, onde esperou os ânimos se acalmarem.

O antigo mosteiro onde Bueno se refugiou foi substituído pela atual construção, de 1922

Os monges saíram em sua defesa e depois de uma tensa negociação os castelhanos e outros paulistas favoráveis à aclamação de Amador Bueno se convenceram de que seus negócios não seriam afetados pela volta do domínio português sobre o Brasil. Bueno teria deixado o mosteiro gritando "Viva Dom João IV", deixando clara sua posição legalista. Dom João IV foi o primeiro rei da dinastia de Bragança.

Inexiste qualquer prova de que o episódio da aclamação de Amador Bueno tenha acontecido de fato. Não há nenhum documento de época que ateste esse acontecimento. Para alguns estudiosos é mitologia. O que existem são referências e descrições do episódio feitas por dois cronistas do século 18: Pedro Taques de Almeida Paes Leme, que fez o livro "Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica", e principalmente, frei Gaspar da Madre de Deus, autor de "Memórias para a História da Capitania de São Vicente".

Há também um documento de 1700 no qual o rei Pedro II concede uma mercê para um descendente de Amador Bueno e no texto faz referência à aclamação e à fidelidade do aclamado.

Amador Bueno
Imagem de Amador Bueno: para muitos historiadores sua aclamação é pura mitologia - Reprodução

Outra questão polêmica é que não foram só os espanhóis que o aclamaram. Essa é uma interpretação de cunho nacionalista. Hoje se entende que o grupo que teria escolhido Bueno era composto também por portugueses e indivíduos de outras nacionalidades articulados aos interesses econômicos advindos da União Ibérica. Eram grupos que se beneficiavam do livre acesso ao império espanhol.

A grande questão que, afinal, levou muitos insurretos a mudar de ideia e passar a apoiar a nova dinastia de Bragança foi o uso e abuso da mão de obra indígena. Muitos chegaram à conclusão que associar-se a uma dinastia incipiente seria uma forma de manter a escravização indígena em um momento em que a coroa espanhola vinha, de alguma forma, tentando refrear as bandeiras paulistas.

Há um quadro no Museu Paulista, de 1931, pintado por Oscar Pereira da Silva, que se chama "Aclamação de Amador Bueno". Existe também uma rua no bairro de Santo Amaro que leva seu nome. No Centro, a atual rua do Boticário se chamava Amador Bueno.

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