Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

Os ossos do padre José de Anchieta

Úmero do jesuíta, canonizado há dez anos, está no museu do Pateo do Collegio

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São Paulo

Não foi por acaso que o Padre José de Anchieta recebeu o título de "apóstolo do Brasil". Nascido em 1534 em Tenerife, nas Ilhas Canárias, Anchieta foi um jesuíta incansável e um homem cordial. Seu papel na fundação de São Paulo foi decisivo: era um eficiente catequizador, dava aulas de latim, circulava por vastas regiões e mantinha uma relação amistosa com os indígenas.

Foi poeta e escreveu peças de teatro e uma gramática tupi-guarani. Além disso, confeccionava roupas e alpargatas, construía casas e atendia como boticário. Outra de suas qualidades era pensar estrategicamente a colonização. Anchieta foi beatificado em 1980 e há dez anos aconteceu sua canonização pelo papa Francisco. A ele eram atribuídos milagres, como estar em vários lugares ao mesmo tempo e levitar.

Úmero de José de Anchieta
Museu do Pateo do Collegio tem úmero e manto que pertenceram a José de Anchieta

Quando morreu, em 1597, aos 63 anos, o santo foi enterrado na igreja de São Tiago, no Espírito Santo, lugar onde passou seus últimos anos. Anchieta estava descansando em paz até que em 1609 foi feita a exumação dos seus restos mortais, levados para a catedral de Salvador (BA) por ordem do superior geral da Companhia de Jesus, padre Cláudio Acquaviva.

A partir daí se abriu uma caixa de relíquias e os ossos do jesuíta se espalharam pelo Brasil e por outras partes do mundo, como Portugal e Itália. Para os católicos, as relíquias são uma forma de ter proximidade física com alguém que alcançou o ápice espiritual.

Ossos de Anchieta foram repartidos entre pessoas seculares e religiosas, que os pediam na esperança de milagres. O padre Fernão Cardim chegou a declarar que com a água abençoada com um desses ossos, Deus fez maravilhas para vários necessitados.

Anchieta e o curumim
Quadro "O Poema de Anchieta", de Benedito Calixto: padre foi o primeiro literato do Brasil

Um dos fêmures do jesuíta, antes exposto na igreja de São Tiago, hoje sede do governo capixaba, foi transferido para Roma. Ficou lá por três séculos e meio. Em 1759, com a expulsão dos jesuítas do Brasil pelo Marquês de Pombal, um baú de jacarandá que estava na Bahia com parte dos restos mortais do santo e com um manto marrom que seria dele, foram mandados para Portugal. O baú só foi encontrado em 1964 na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Em 1971, o governo de São Paulo e os jesuítas pediram à Portugal a devolução do baú com os ossos e o manto, o que só ocorreu na década de 1980, mais ou menos na mesma época em que o Vaticano devolveu o fêmur. O manto passou a ficar exposto no Pateo do Collegio.

Pateo do Collegio
Pateo do Collegio: marco da fundação da cidade e centro de operações dos jesuítas

Além dele, há pelo menos outras sete relíquias oficiais de Anchieta no Brasil: duas no Pateo do Collegio, um osso do braço chamado úmero no Museu Anchieta e um fragmento de fêmur na Igreja São José de Anchieta. Também há um pedaço de fêmur na igreja São Miguel Arcanjo, na zona leste de São Paulo. O tamanho dos ossos indica que Anchieta deveria ter cerca de 1,65 metro de altura

Existe um pedaço de osso no município de Anchieta (ES), antes chamado Reritiba, onde o padre morreu, e outra relíquia em Itaici, em Indaiatuba (SP), onde a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) faz seus encontros. O mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro, também abriga um pedaço de osso em uma urna na capela dedicada ao santo.

Imagem de José de Anchieta: processo de beatificação do padre demorou 360 anos

Fora do Brasil, há uma relíquia na igreja de São Roque, em Lisboa, lugar de devoção a Anchieta, e também na igreja do Gesù, em Roma, primeiro templo da Companhia de Jesus na cidade.

A campanha para a beatificação de Anchieta foi iniciada na Capitania da Bahia vinte anos após sua morte, em 1617. Mas ele só foi beatificado em 1980 pelo papa João Paulo 2º. Atribui-se esse grande lapso de tempo inicialmente ao Marquês de Pombal, que perseguia os jesuítas e pode ter impedido o trâmite do processo.

A canonização foi mais rápida. Mesmo sem milagres comprovados, o papa Francisco considerou, em 2014, o trabalho de Anchieta, pioneiro na introdução do cristianismo no Brasil e fundador de São Paulo. Também se levou em conta que antes de ser professor dos indígenas tratou de aprender suas línguas, costumes e de entender sua cosmovisão. Anchieta foi um conciliador.

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