Jairo Marques

Assim como você

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Jairo Marques

Um texto de autoajuda

Escrever com o intuito de levar um bem ao outro é correr sempre o risco do escorregão na pieguice

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Já ouvi algumas vezes aqui e ali que certos textos que atrevo a parir abraçam a ideia da autoajuda. O tom da afirmação é sempre meio pejorativo como se as palavras e as ideias postas nesse contexto fossem de menor relevância, uma vez que carregam alguma intenção de provocar impacto no modo de pensar sobre si e sobre o outro. Faltaria profundidade, fineza e elaboração ao estilo.

Tem dias que tudo o que eu queria, logo depois de acordar ou antes de tentar dormir, era ler algo —ou puxar da memória um amuleto— que me transportasse para um lugar mais seguro, mais calmo diante da revoada de pensamentos sem muita sincronicidade que toma conta da cabeça. Algo bem autoajuda.

Penso que viventes como eu e outros milhares, que passaram e passam por situações que subvertem o rito de suposta normalidade de comer, rezar e amar, podem carregar em si experiências de observar os fluxos do dia a dia ligeiramente diferentes.

Imagem de Santo Antonio, ladeada por cinco livros em pé e uma vela cor de rosa
Livros e decorações que remontam à autoajuda - Letícia Moreira/Folhapress

Em alguns aspectos, acho que fui mesmo construindo minhas ideias do tocar o cotidiano bem ancoradas na tal autoajuda, como se carregasse na algibeira, pílulas de manter-se firme, muito necessárias para seguir, diante de solidões que o incomum te faz enfrentar.

Acredito, por exemplo, mais por fé do que por razão e lógica, que há sempre alguém a nossa espera nos momentos de nó durante a jornada. Esse alguém não necessariamente será um feroz que defenderá nossa carcaça de lobos famigerados que nos fazem sentir amargor na goela. Eles podem ser leves como a florzinha dente de leão que aparece e indica uma direção, traz alívio.

Sou apaixonado pela palavra que impacta, que faz parar o trem das nossas emoções mesmo que no breve tempo de entendê-la e admiti-la como antídoto de outros dizeres ásperos. Mas, de fato, escrever com o intuito de levar um bem ao outro é correr sempre o risco do escorregão na pieguice, na vontade exacerbada de iluminar crateras desconhecidas em suas profundidades.

O próprio verbo ajudar carrega em si um tom de desabono. Ser ajudado parece ser inferiorizado. O bom mesmo é o fazer, o agir, o mudar. Como muito precisei e preciso de apoios nesse levar adiante o meu nascimento, entendo de outra forma essa dinâmica. E dá-lhe autoajuda!

O poeta português José Luís Peixoto, em uma oficina literária em São Paulo, disse que "é preciso abrir mão de um certo perfeccionismo para escrever e fazer tatuagens. Nos dois casos é preciso aprender a conviver com a frustração do real. Com o olhar do outro. Com o seu próprio olhar do futuro. Na imaginação, todos os livros e todas as tatuagens são lindas."

Embalado nesse pensamento –e na autoajuda do poeta--, resolvi desenhar pelo meu corpo torto por inteiro, mergulhar em reflexões que me atrevi a fazer em relação ao diverso, ao viver plural.

Juntei delicadamente um punhado de textos publicados ao longo de doze anos na Folha, mais uma coleção de novos pensamentos, e confiei à editora Serena, que me entregou "Crônicas para um Mundo Mais Diverso – Cem histórias para despertar amor, respeito, justiça, inclusão e solidariedade".

Ao rever escritos, com frequência, sinto uma vontade imensa de mudar as tintas, sobretudo após alguém apontar legitimamente uma cor que destoa demais na aquarela, mas a arte já está ali. Se quiser brindar e abraçar, precisando ou não de autoajuda, dia 17 de novembro, às 18h, vou estar na Drummond Livraria, em São Paulo.

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