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Mestre Nena celebra 60 anos de devoção ao reisado e bacamarteiro no Ceará

Como a Folia de Reis, festa do reisado relembra a visita dos reis magos ao menino Jesus

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Crato (CE)

"Quando eu me trajo, deixo de ser Nena e viro um cangaceiro". Francisco Gomes Novais, 71, criado em Sítio Malhada, em Crato, no Ceará, sempre tirou o sustento físico do trabalho na roça. Mas o do coração vem da brincadeira popular do reisado e do bacamarteiro, das quais Mestre Nena participa há 60 anos.

Variação da Folia de Reis que acontece em cidades paulistas e mineiras, o reisado também celebra, com dança, teatro e música, a festa católica da visita dos reis magos ao menino Jesus. A festa acontece entre o Natal e o começo de janeiro em estados como Ceará, Alagoas e Pernambuco.

Já o festejo do bacamarteiro vem do Pernambuco e faz referência a volta dos soldados da Guerra do Paraguai, que usavam os bacamartes com pólvora e bucha para atirar, onde celebravam a vida, dançavam e entoavam cantigas.

homem com chapeu e trajes de cangaceiro em frente a uma igreja no ceará com céu azul e bandeira amarela ao fundo
Mestre Nena trajado, em imagem de junho deste ano, para conduzir seu grupo na festa de Santo Antônio, em Barbalha (CE) - Hélio Filho/Divulgação

Composto por embaixadores, contra-mestres, reis, rainhas e personagens chamados entremeios, o reisado é conhecido pela sonoridade da percussão, que marca o passo das danças e dos cantos populares dos grupos.

A memória da infância, conta Nena, é de dureza. Trabalhava ainda criança para donos de terras em troca de moradia e de alimento. "Eu passei pelo cativeiro. Todo mundo que quisesse viver no terreno, tinha que servir pelo menos dois dias da semana pros senhores da terra".

Aos 12 anos, quando descobriu a brincadeira do reisado, foi expulso do lugar. Não era tolerado que os moradores pintassem a cara de carvão e botasse uma saia para dançar no terreiro.

Na tradição do reisado, os integrantes do festejo usam indumentárias coloridas, espelhadas e dão vida a uma grande brincadeira a céu aberto, trajando-se com capas, coletes, saias, capacetes, coroas e vestidos, além de se figurarem dos personagens chamados por entremeios.

Nos anos 1960, diz, a maioria dos brincantes eram agricultores e o tempo que lhes sobravam era para a brincadeira, mesmo se a semana inteira tivesse sido de trabalho em sol a pino. "Aquilo era nossa alegria, ninguém falava em dinheiro, cachê".

foto de homem de rosto pintado de preto e adornos de folclore segura um pandeiro
De cara pintada e pandeiro na mão, Mestre Nena se traja como Mateus, personagem do reisado, em imagem de 2020 - Samuel Macedo/Divulgação

Com o tempo, os grupos da região passaram a se organizar também em função de apresentações mediadas por instituições culturais. Elas podiam pagar cachês e determinavam o tempo de duração da brincadeira, o lugar e a ocasião.

Do Crato, depois de um ano de estiagem e sem colheita no sítio, Mestre Nena mudou-se para Juazeiro do Norte no começo dos anos 1990 com a mulher e os 11 filhos.

O lugar era um fervedouro da cultura de tradição popular. Ele logo passou a integrar outros grupos de reisado. Continuou até 2006, quando conheceu a União dos Artistas da Terra da Mãe de Deus e encontrou o grupo Bacamarteiros do Beato José Lourenço.

"Eu nunca tive vontade de me tornar mestre de um grupo de reisado. Mas aí, quando conquistei o Bacamarteiros, foi como um sonho". Três anos depois, fundou o Bacamarteiros da Paz.

Para conseguir manter a família e o grupo na cidade, o mestre diz ter sido, literalmente, quebrando pedra. Trabalhava de segunda a sexta retirando no mínimo cinco carradas de pedras, conciliando ainda com o plantio de roças. Assim foi confeccionando os trajes e encomendando os bacamartes para os brincantes.

grupo de jovens trajados de cangaceiros encenam em rua de pedra
Filhos e netos do mestre integram a atual formação do grupo Bacamarteiros da Paz - Hélio Filho/Divulgação

Aos 71, Mestre Nena lamenta não ver a geração mais nova seguir no reisado. "Hoje é difícil ver um brincante jovem com gosto pela brincadeira de verdade, só enxergam o que vão ganhar, dinheiro. A gente brincava porque gostava e tinha mais responsabilidade. Tudo era por conta nossa, do traje que se vestia ao lugar da festa".

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