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Corrida de jegues com crianças atrai turistas em Pernambuco

Montadores têm de oito a dez anos; barulho de chocalhos para animais correrem substituem chicotes

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Petrolina (PE)

A comunidade do Capim, na zona rural de Petrolina (713 km do Recife), vê sua população de pouco mais de 2.000 habitantes se multiplicar durante as festas juninas. No povoado do sertão de Pernambuco, é realizada a jecana, corrida de jegues que recebe cerca de 10 mil pessoas em três dias de evento, segundo estimativa da prefeitura.

A festa em torno de um dos animais símbolos do Nordeste é considerada, por lei, patrimônio cultural de Pernambucano. Na 50ª edição, no último final de semana, mais de 33 jegues de diversos estados da região participaram das corridas.

Crianças montadas em jegues cruzando uma linha de chegada feita com pó branco na areia.
Pista de corrida de jegues é de terra batida e tem 250 metros; festa considerada patrimônio de Pernambuco completa 50 anos - Adriano Alves/Folhapress

Montado no jegue Amin, Jonathas da Silva Ribeiro, 8, segue a tradição que é herança de família. O menino treina duas vezes por semana com o pai e saiu de Jataúba, cidade pernambucana a oito horas de distância, para participar das corridas.

"Eu já ofereci de tudo para ele deixar eu vender esse jumento, videogame e bicicleta, mas não tem jeito. É um amor que ele tem por esse animal", diz o pai Bruno Ribeiro de Oliveira, 29, agricultor.

O regulamento da competição prevê regras para garantir o cuidado com os animais. Não são aceitos arreios, sela, estribos, choque, cangalha, chicote, material perfurante ou nenhum outro material que machuque o jegue.

Em nota, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Petrolina, que organiza o evento com a Associação de Moradores do Capim, informou à Folha que há uma equipe de oito pessoas na fiscalização, que é acompanhada por um médico veterinário para evitar qualquer tipo de maus-tratos.

A jecana surgiu quando um radialista da cidade, no final da década de 1960, divulgava uma corrida de tartarugas no Amazonas. Um amigo comentou: "Só falta anunciar uma corrida de jegue".

Carlos Augusto Amariz decidiu investir na ideia e criou a "gincana de jegues" em 1972, originando o novo esporte genuinamente nordestino, conta a filha dele Maíra Amariz, 47.

"A vida toda ele lutou pela preservação desse animal", conta. "A jecana é minha irmã mais velha. Quando eu nasci, ela já era o xodó do meu pai".

As disputas por prêmios, que somam até R$ 30 mil, são realizadas em uma pista de 250 metros, improvisada na principal rua da comunidade.

Seis baias semelhantes às das famosas corridas de cavalos, das quais também se copiam algumas regras básicas, são montadas na largada.

Todos os jegueiros, como chamam os montadores, são crianças. Geralmente, elas têm entre oito e dez anos. Uma garrafinha com grãos de feijão, como um chocalho, substitui os chicotes, utilizando o barulho para estimular o animal a correr.

Quando a sirene toca, o narrador grita: "Lá vem jegue!". São segundos até ser cruzada a linha de chegada.

Entre os principais competidores de 2023, nomes como Raio das Filipinas, Balinha e Pinga Fogo, além de Madonna e Joelma.

A competição é acirrada. Conforme as baterias vão passando, os ânimos se afloram. Tem torcida organizada para jegues famosos no circuito, apostadores aflitos e treinadores estressados que discutem com direito a pedir VAR —já que a comissão técnica usa celulares para filmar detalhes da corrida, e até de quem cruza primeiro a linha de chegada

O grande campeão da noite de domingo foi a Equipe FM. É o segundo ano que levam os primeiro e segundo lugar do pódio para Zabelê (PB).

O jegueiro Enzo Gabriel da Silva, 11, se consagrou bicampeão consecutivo com seu Tira-Teima. "Estou muito feliz. Agora, é cuidar dele e colocar para correr mais", comemora.

Segundo a irmã Ellys Fernanda Bezerra Batista, 18, os jegues que competem têm tratamento especial. "São rações e vitaminas das melhores que têm. Baias com areia novas, ventiladores e água da boa".

Após as corridas, a pista se transforma em uma passarela para o "Jegue Fashion", onde os animais desfilam fantasiados com temas juninos ou da atualidade. Esse ano foram cinco competidores, como a "Carolina Piriguete" e a "Miss Severina".

A grande campeã no concurso de beleza foi "Suzana", uma jumenta que vestia uma bandeira LGBTQIA+ e carregava o bolo de aniversário do evento.

A montagem foi feita por um grupo de quatro professoras que, após 15 anos de participações, levantaram o principal troféu pela primeira vez.

"São 50 anos de jegue na avenida, de forró e também de diversidade, porque também celebramos a diversidade no nosso espaço", explica Carmélia Guedes, 42, sobre a criação.

O cabeleireiro Maycon Wendes Ferreira, 38, que participa há seis anos, levou para casa o troféu de segundo lugar. Seu jegue Belarmino estava fantasiado de rei africano, com direito a carruagem. "Resolvi trazer ele renovando a história, trazendo a raiz da minha religião de matriz africana".

Após o desfile, começam os shows de bandas regionais, no chamado "Forró do Poeirão". O evento movimenta a economia local com a montagem de bares, restaurantes e cerca de 60 ambulantes.

A turismóloga Geane Nascimento, 60, mora em Teresina e todo ano viaja para a festa no Capim. Para comemorar meio século de tradição, convidou amigos do Piauí e de São Paulo. "A gente tem que valorizar o que é do sertanejo. É um evento muito lindo, que atrai gente de vários lugares".

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