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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli
Descrição de chapéu réveillon férias

Mal equipada, Rio-Santos coloca em risco moradores e veranistas

Em São Sebastião (SP), rodovia divide sociedade e exclui pedestres e ciclistas

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Única rodovia de conexão a São Sebastião, no litoral norte paulista, a Rio-Santos serve também como avenida principal da cidade, divide pobres e ricos, e não oferece equipamentos de proteção para pedestres e ciclistas nos bairros distantes do centro.

Paralela aos quase 100Km de faixa de areia do município, a estrada corta diversas áreas urbanas e por vezes atua como um obstáculo divisor de classes sociais. Em praias como Barra do Sahy, Juqueí e Toque-Toque Pequeno, casarões de veraneio e hotéis de luxo ocupam a faixa de terra entre a estrada e o mar, enquanto no lado oposto, o do sertão, comunidades carentes e ocupações irregulares avançam sobre áreas de risco nas encostas da Serra do Mar.

Três ciclistas (uma com criança na garupa) aguardam fila de carros para atravessar a rodovia
Carro avança sobre faixa enquanto ciclistas esperam brecha no trânsito para fazer a travessia do Km 172 da rodovia Rio-Santos. Entidades pedem a instalação de passarelas, semáforos e ciclovias - Caio Guatelli

Para o prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), a especulação imobiliária elevou o preço dos imóveis próximos ao mar e empurrou os operários para o outro lado da rodovia. "A população mais pobre e os que migram para cá em busca de trabalho acabam se instalando do outro lado da estrada. Isso é um problema histórico, não é de hoje", diz o prefeito, que indica também um aumento populacional fora do comum nos últimos dois anos: "a pandemia causou um êxodo da capital para cá. Vimos nossa população aumentar de 90 mil habitantes para 150 mil habitantes" —os dados comentados pelo prefeito comparam estimativa do IBGE para o município em 2020 (90.328 habitantes), com censo demográfico realizado pela prefeitura em 2021 (aproximadamente 150.000 habitantes).

Crescimento desordenado

Felipe Augusto comenta que a migração se dá nas duas pontas da divisão de classes: "na pandemia, as pessoas com grande poder aquisitivo se mudaram da capital para cá atrás de isolamento social, ao mesmo tempo a população mais pobre migrou de outros estados em busca de trabalho e um melhor atendimento na rede pública de saúde".

Para a advogada Fernanda Carbonelli, fundadora do ICC (Instituto de Conservação Costeira), a ocupação territorial do município cresce de forma desordenada há muito mais tempo. "Fazemos o diagnóstico da região há 11 anos. São 102 comunidades, como Vila Sahy, Piavú e Baleia Verde, que crescem sem planejamento há muitos anos na região do sertão, a maioria sobre áreas de risco. Nas novas ocupações, as ligações de água e luz são clandestinas e não há serviços de coleta de lixo e canalização de esgoto", diz a advogada.

Mobilidade comprometida

Aos que habitam o sertão e precisam chegar ao trabalho nos centros comerciais e condomínios de luxo à beira-mar, cruzar a rodovia é uma tarefa perigosa, feita mais de uma vez por dia. O pedreiro Isael Alves, morador de comunidade no Juqueí, faz a travessia da Rio-Santos até seis vezes no mesmo dia. Para ele, o cruzamento é inevitável, arriscado e demorado. "Se for esperar para atravessar em segurança, a gente fica aqui o dia todo. Tiraram o pardal (radar de velocidade) e não tem semáforo. A gente se joga na coragem", reclama sentado em sua bicicleta enquanto motoristas de carros de luxo ignoram seu pedido por passagem.

"Não há o que ser feito […] está fora de minha jurisdição. Instalar semáforos fora da região central da cidade é função do governo do estado, do DER (Departamento de Estradas e Rodagem)", diz o prefeito Felipe Augusto.

Contrariando o prefeito, o governo do estado respondeu através da Secretaria de Logística e Transporte: "O DER informa que a instalação de semáforos é de responsabilidade das prefeituras".

Uma das travessias mais movimentadas fica na altura do Km 172, local de passagem dos moradores da comunidade Vila Sahy para as praias Barra do Sahy e Baleia. Até 2020 o local contava com uma lombada eletrônica para inibir o excesso de velocidade. Hoje, a única sinalização é uma faixa de pedestres. "Tem acidente demais aqui, precisa farol ou passarela", disse uma mulher que passava apressada entre os carros.

Ao comentar pesquisa feita pelo ICC, a advogada Fernanda Carbonelli ressalta a necessidade da instalação de passarela ou semáforos e de uma ciclovia no local: "80 % dos trabalhadores da região usam bicicleta e cruzam diariamente aquele ponto da rodovia sem nenhuma proteção. Já fizemos 8 ofícios ao DER pedindo uma passagem suspensa ou subterrânea para pedestres e ciclistas, ou pelo menos um semáforo, mas até agora não tivemos nenhuma resposta", reclama a advogada.

Além dos equipamentos de segurança para cruzar a rodovia a pé ou de bicicleta, entidades comunitárias da região também ingressaram com um pedido de instalação de ciclovia que interligue a Vila Sahy com as praias Barra do Sahy, Baleia, Camburí, Juqueí e Barra do Una. O pedido foi feito há dois anos à prefeitura de São Sebastião.

Para o prefeito, o pedido é controverso. Felipe Augusto alega que os comerciantes consideram a ciclovia prejudicial por impedir o estacionamento de carros em vias estreitas, como a avenida Mãe Bernarda —avenida de Juqueí onde estão instalados restaurantes caros, resorts e condomínios de luxo.

Sem opções de transporte público, a diarista Fernanda de Jesus Santos escolheu a bicicleta para percorrer o trajeto de 6Km entre sua casa, no sertão do Juqueí, e as casas de veraneio onde faz serviços de faxina, na praia Barra do Una. No trajeto, que cruza a Rio-Santos e passa pela avenida Mãe Bernarda, não há ciclovias e muitos trechos não tem calçadas. "Semana passada um carro me fechou e acabei atropelando uma turista que caminhava na rua. Deveriam fazer calçada e ciclovia", disse a diarista.

Leia a nota do DER

O DER informa que a instalação de semáforos é de responsabilidade das prefeituras. O município interessado deve elaborar um projeto e direcionar ao DER, que realiza um estudo e posteriormente autoriza a administração municipal a realizar a instalação dos equipamentos.
O Departamento também informa que, para os trechos de sua administração, há projetos de melhorias previstos, como de duplicação e aumento da capacidade de fluxo da rodovia, com o objetivo de oferecer maior segurança aos seus usuários. No programa Estrada Asfaltada, há melhorias previstas para os trechos entre os kms 112,5-120 e 130-247 que somam investimentos de quase R$ 55 milhões.

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