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Como é possível saber o raio da Terra?

Número preciso encontrado há 2 mil anos se deve ao sucesso do método científico

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Thiago Gonçalves

O raio da Terra, isto é, a distância do centro até a superfície, é de 6.371 quilômetros, com uma margem de erro de dois metros. Sim, são apenas dois metros de incerteza, sem computar as imperfeições causadas pela topologia terrestre. Mas desde quando sabemos disso?

A medida mais antiga de que se tem notícia foi feita por Eratóstenes de Cirene em 240 a.C., aproximadamente. De forma simplificada, o matemático grego considerou a Terra uma esfera perfeita, e usou conceitos básicos de geometria para calcular suas dimensões.

Arte ilustra o grego Eratóstenes segurando uma lâmpada sobre a cabeça que ilumina "fatias" da Terra
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Tomemos uma bola de basquete com uma vareta fixada em sua superfície, apontando para o centro da bola. Ao acendermos uma lanterna e a apontarmos para a vareta, se o alinhamento entre os dois objetos for perfeito, não haverá nenhuma sombra na superfície da bola. Se, por outro lado, houver um ângulo entre a luz incidente e a vareta, poderemos ver uma pequena sombra, que será maior quanto maior a inclinação da vareta.

Imaginemos agora duas varetas, uma delas alinhada com a lanterna. O ângulo entre as duas — e consequentemente a extensão da sombra causada pela segunda — depende da distância entre ambas e do diâmetro da bola. Quanto mais próximas entre si, ou quanto maior for a esfera, menor será a sombra da segunda vareta.

Eratóstenes utilizou esse mesmo raciocínio em grande escala, substituindo a bola pela Terra. Segundo essa hipótese, no exato momento em que o Sol estivesse diretamente acima de uma cidade (Siena, nas histórias contadas), ele mediria a extensão da sombra em Alexandria causada por uma determinada haste. Sabendo o tamanho da haste e a distância entre as duas cidades, ele podia calcular o tamanho da Terra.

O desafio era medir a distância entre cidades. Eratóstenes teria pedido a colaboração de bematistas, especialistas em realizar tais medidas contando passos ou algum tipo de odômetro rudimentar. É impressionante que o valor encontrado para a circunferência terrestre tenha sido de 39.425 quilômetros, enquanto a medida atual oficial seja de 40.008 quilômetros.

Hoje nosso conhecimento sobre a Terra é mais avançado, claro. Ela não é uma esfera perfeita, por exemplo, mas uma elipsoide, mais achatada nos polos devido ao movimento de rotação terrestre — uma diferença entre os raios de cerca de vinte quilômetros. Satélites e lasers viabilizam medidas com precisão menor que um metro, em alguns casos. Mas o resultado final ainda é bem próximo daquele encontrado há mais de 2 mil anos.

Excelente exemplo do sucesso do método científico, esse experimento ainda é usado como forma de pensar a produção do conhecimento científico. Eratóstenes formulou uma hipótese e desenvolveu um experimento prático para confirmá-la, a partir de dados observacionais. Esse é o fundamento da produção de descobertas e novos conhecimentos na ciência moderna.

O terraplanismo é uma visão absolutamente distorcida desse modelo. Baseado em supostas experiências realizadas pelo inventor inglês Samuel Rowbotham no século 19, seus defensores afirmam que a Terra seria plana, numa tentativa de invalidar o conhecimento já existente desde o século 3 a.C. Discussões com terraplanistas se resumem a falsos debates: a argumentação ocorre com base em hipóteses criadas após as observações, apenas para justificar seu próprio modelo. É a típica falácia utilizada em teorias conspiratórias como a suposta falsificação da chegada dos seres humanos à Lua.

Negacionistas não propõem experimentos para confirmar ou rejeitar uma hipótese: eles adaptam as observações a suas crenças pessoais. Se os dados contradizem a afirmação, descartem-se os dados e mantenha-se a hipótese. Para que a ciência esteja aberta a novas evidências e mudanças de paradigma, é preciso que todos sigam as mesmas regras.

O conhecimento do tamanho e do formato da Terra nos permite por exemplo prever o local e horário de um eclipse solar daqui a dezenas de anos, com precisão de minutos. A sombra causada pela Lua sobre a Terra depende da curvatura do planeta, e — ao contrário de argumentos terraplanistas — o conhecimento prévio nos permite fazer previsões exatas do comportamento futuro da natureza. Modelos alternativos sérios deveriam ser capazes de realizar previsões semelhantes e, mais ainda, apontar falhas no desempenho preditivo de modelos anteriores.

Sabemos as dimensões da Terra há mais de 2 mil anos, mas o debate sobre a importância do método científico é mais atual que nunca. Em anos de pandemia e discussões sobre vacinas e tratamentos comprovadamente ineficazes, é fundamental entender como esse conhecimento é produzido no âmbito da pesquisa científica.

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Thiago Gonçalves é astrônomo no Observatório do Valongo/ UFRJ e divulgador de ciência.

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