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Descrição de chapéu câncer

A busca pela fonte da juventude

Como envelhecer regenerando membros e partes do corpo no futuro?

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Rossana Soletti

No verão de 1740, quando o professor Abraham Trembley procurava insetos no lago de seu castelo em Haia, deparou-se com um achado inusitado: fixados sobre plantas, havia seres minúsculos de coloração esverdeada e aspecto de pólipos que se contraíam quando tocados. O naturalista os coletou, examinou-os com uma lente de aumento e observou que eles tinham um corpo cilíndrico e de seis a oito tentáculos em uma das extremidades. Ele então realizou experimentos para entender o funcionamento daqueles organismos e ficou extasiado: caso cortados, os tentáculos cresceriam novamente, atingindo a regeneração completa! Imaginando que a comunidade científica da época não acreditaria nisso, Trembley enviou pólipos vivos a outros pesquisadores e os descreveu em detalhes.

Os pólipos de água doce foram chamados de "hidras" e estudados por inúmeros cientistas. Em 1991, o jovem estadunidense Daniel Martinez coletou dezenas de hidras e passou a cultivá-las para avaliar suas taxas de reprodução e mortalidade. Passaram-se anos e as hidras não morriam... Martinez então publicou seus achados, mostrando que não há sinais de envelhecimento nas hidras, que são potencialmente imortais. Hoje elas são cultivadas em diversos laboratórios do planeta e utilizadas como modelos para o estudo da biologia regenerativa. Grande parte das células desse animal fascinante são células-tronco que podem originar todos os tipos celulares de que a hidra necessita, reconstruindo qualquer parte de seu corpo.

Arte ilustra formas abstratas que remetem às hidras mencionadas no texto
Ilustração: Joana Lavôr - Instituto Serrapilheira

Já o ser humano dispõe de um pequeno e limitado estoque de células-tronco, que envelhece com o tempo. As primeiras células de um embrião humano têm as instruções necessárias para gerar todas as partes do corpo, mas à medida que o embrião se desenvolve, esse potencial vai ficando mais restrito. Nossa pele adulta se regenera depois de um pequeno corte superficial, mas não conseguimos reconstruir todos os tecidos de grandes lesões, nem repor órgãos ou membros perdidos.

Já pensou se fosse possível resgatar as instruções e as condições mais primitivas de nosso período embrionário, refazendo partes do corpo danificadas e substituindo células envelhecidas? Recuperar o corpo humano de maneira cada vez mais eficiente é um desafio que move muitos grupos de pesquisa mundo afora.

Imagine que uma pessoa que precisasse repor partes do coração pudesse ser tratada com células de sua própria pele. Em um laboratório, as células seriam reprogramadas para um estágio embrionário, e em seguida submetidas às condições necessárias para se transformarem nos vários tipos celulares que moldam as estruturas cardíacas. O grande problema é que retroceder o relógio biológico de nossas células é extremamente complexo. Nós somos equipados com mecanismos de segurança que impedem que nossas células proliferem de maneira desordenada.

Algumas células embrionárias compartilham características similares às das células tumorais, como a capacidade de autorrenovação e a alta taxa de proliferação. Assim, reprogramar os mecanismos de segurança das células adultas pode acarretar situações indesejadas, como o surgimento de um câncer. Um futuro ideal seria aquele em que pudéssemos retroceder o relógio biológico de nossas células de uma forma parcial e controlada, e no qual dispuséssemos de técnicas para transformar e gerar novas células em nosso corpo, curando lesões e repondo membros perdidos.

Ainda estamos muito longe dessa possibilidade, mas estudos recentes em anfíbios trouxeram resultados animadores. Pesquisadores utilizaram como modelo as rãs da espécie Xenopus laevis, que quando girinos podem recompor pedaços da cauda, mas perdem a capacidade regenerativa ao se tornarem adultas (de modo similar ao que acontece conosco). Rãs que tiveram uma perna amputada receberam curativos com substâncias para estimular o crescimento das células que formam a perna, e conter o processo inflamatório e a formação de cicatrizes. O tratamento durou apenas um dia, e nos 18 meses seguintes o membro amputado cresceu, regenerando músculos, ossos, vasos sanguíneos e nervos. Apesar de o membro formado não ser totalmente completo, o crescimento foi muito significativo em relação aos grupos não tratados, e houve recuperação parcial da funcionalidade.

Ainda serão necessárias muitas pesquisas com outros modelos animais antes de testar essa e outras terapias em seres humanos. Com o crescente aumento da expectativa de vida da população, precisamos encontrar formas de conter o envelhecimento e tratar perdas de membros ou órgãos causadas por traumas e doenças crônicas. Não sabemos quando será possível alcançar a regeneração em seres humanos, mas compreender os mecanismos regenerativos das hidras e de outros animais tem sido fundamental nesse processo.

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Rossana Soletti é doutora em ciências morfológicas e professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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