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Por que as críticas às vacinas contra a Covid não têm fundamento

Imunizantes passaram por protocolos de estudo rigorosos e têm papel em reduzir a mortalidade

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Mellanie Fontes-Dutra Lorena G. Barberia Roberto Kraenkel

Recentemente, ressurgiram argumentos sobre a inutilidade das vacinas para a transmissão do vírus da Covid-19. Críticos alegaram que a Pfizer-BioNtech teve a vacina aprovada sem avaliar o impacto na transmissão do vírus, mas isso não é verdade. É importante lembrar que, no início dos ensaios clínicos do imunizante desenvolvido pela farmacêutica, o principal objetivo era descobrir se ele seria capaz de reduzir os riscos da infecção sintomática, além do óbito pela doença. E isso foi feito: a Pfizer-BioNtech entregou uma medicação que cumpriu o que se propôs a investigar nos ensaios clínicos.

Tanto foi assim que a aprovação desse imunizante foi recebida positivamente por agências reguladoras do mundo, como a Agência Europeia de Medicamentos, em 2020. No momento da autorização do uso da vacina da Pfizer, ela reforçou que "a excelente eficácia do imunizante (prevenindo Covid-19 sintomática) havia sido demonstrada em indivíduos sem evidência de infecção prévia por SARS-CoV-2".

Arte ilustra uma figura humana de lado; uma seringa com um líquido amarelo aponta para o seu braço, envolto por figuras artísticas que remetem a plantas e à forma do coronavírus
Ilustração: Clarice Wenzel - Instituto Serrapilheira

No entanto, a agência reforçou que "não se sabia se a vacina protegeria ou não contra infecções assintomáticas ou qual seria o seu impacto na transmissão viral". Portanto, se desde 2020 tínhamos a informação sobre o que foi e o que não foi investigado no momento dos ensaios clínicos, não devemos deixar que as informações científicas sejam interpretadas com vieses que geram incertezas indevidas.

Com a pandemia, o mundo testemunhou, em tempo real, o processo de investigação, produção e licenciamento de vacinas em diferentes partes do mundo, valendo-se das mais diversas tecnologias. Acompanhamos também como as agências sanitárias reguladoras avaliaram os pedidos de uso emergencial e de uso pleno. O sucesso de campanhas de vacinação requer que estas deixem claro para a população os benefícios do imunizante, estimulando sua adesão. Ações no sentido contrário têm alto custo em vidas perdidas.

Segundo documento do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, em inglês), os "quatro objetivos potenciais da vacinação contra a Covid-19 são: redução da pressão sobre o sistema de saúde; redução da gravidade e mortalidade geral; reabertura da sociedade e eliminação de doenças". Se observarmos os estudos clínicos (divididos em fases que compreendem avaliação da segurança, resposta imunológica induzida pela vacinação e eficácia da vacina em uma amostra populacional), veremos que, no caso da vacina desenvolvida pelas farmacêuticas Pfizer e BioNTech, o objetivo primário foi investigar a segurança e a proteção contra a Covid-19 sintomática, seguido da investigação da proteção contra sua manifestação mais grave.

Fica claro que, a partir do detalhado protocolo de estudo dessa vacina (publicado em novembro de 2022), reforça-se o entendimento de que a pesquisa foi proposta para avaliar a eficácia em reduzir riscos para a doença causada pela Covid-19. As críticas, portanto, não têm fundamento.

Outras farmacêuticas também desenvolveram imunizantes contra a mesma doença e seguiram objetivos primários semelhantes. A Astrazeneca (que no Brasil conduziu estudos clínicos em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz), por exemplo, investigou a segurança e a eficácia "na prevenção do início da doença por Covid-19 sintomática e grave", conforme a publicação do seu estudo de fase três. Em paralelo, o Instituto Butantan (em parceria com a Sinovac) conduziu um estudo clínico cujos principais objetivos também foram a segurança e a eficácia na proteção contra casos sintomáticos, e, secundariamente, a eficácia na proteção contra doença severa.

Essa lógica tampouco diferiu de outros ensaios clínicos, como os realizados pelas farmacêuticas CanSino, Janssen e Novavax. Embora não tenham testado a eficácia do imunizante contra a transmissão do vírus, isso não quer dizer que ele não possa ter efeitos sobre sua propagação.

Após a aprovação desses imunizantes, investigou-se seu impacto entre pessoas vacinadas e não vacinadas. Um estudo publicado em 2022 avaliou indivíduos que receberam os imunizantes da Pfizer/BioNTech e da AstraZeneca e demonstrou que "a vacinação foi associada a uma redução na transmissão" de variantes do SARS-CoV-2, como a Delta. Segundo o site do Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, em inglês), "reduções substanciais nas infecções por SARS-CoV-2 (sintomáticas e assintomáticas) reduzirão os níveis gerais da doença e, portanto, a transmissão do vírus SARS-CoV-2 nos Estados Unidos". Outro estudo publicado em 2022, realizado em Israel, demonstrou que a vacina da Pfizer e BioNTech é capaz de reduzir a transmissão domiciliar do vírus da Covid-19.

Vacinas não são 100% eficazes em evitar a doença, e sabemos que pessoas imunizadas podem transmitir o vírus. A questão principal, porém, é que uma população vacinada transmite em níveis significativamente menores do que uma população não vacinada e, à medida que a adesão à vacinação aumenta, ocorrerão impactos ainda maiores sobre a transmissão do vírus. Isso também é observado em contextos atuais, com a predominância da variante Ômicron, como é exposto nessa publicação da Nature. Com o aparecimento de variantes do novo coronavírus, apresentando características de maior transmissibilidade e evasão parcial da resposta imunológica, faz-se necessária ainda mais a conscientização em prol da vacinação, sobretudo na atualização do esquema vacinal com reforços.

É graças aos efeitos da vacinação que observamos um risco menor para quadros graves provocados pelo SARS-CoV-2 e constatamos os efeitos indiretos que resultam em benefícios compartilhados por toda a população. Se somamos a isso a conscientização da sociedade quanto a comportamentos que reduzem os riscos de exposição em diferentes contextos, percebemos como as vacinas contribuem para a retomada de diversas atividades sem gerar aumento expressivo no número de novos casos. A vacinação faz parte da história e da saúde dos brasileiros, livrou-nos de doenças terríveis que, no passado, eram parte de nossa realidade, e hoje nos auxilia a lidar com novas emergências que um dia também farão parte do passado.

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Mellanie Fontes-Dutra, biomédica, professora da UNISINOS e coordenadora da Rede Análise.

Lorena Barberia, cientista política, coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas & Sociedade e membro do Observatório COVID-19 BR.

Roberto Kraenkel, físico, professor titular do Instituto de Física Teórica da UNESP e membro do Observatório Covid-19 BR.

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