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O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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O Brasil pode liderar a transição para uma bioeconomia circular

Exploração racional da maior biodiversidade do mundo pode gerar desenvolvimento

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Ayla Sant’Ana da Silva

O Brasil é a nação de maior biodiversidade do planeta, com 15% a 20% da quantidade de espécies estimadas. De acordo com dados do Governo Federal, há cerca de 116 mil espécies animais e 46 mil espécies vegetais catalogadas, dispersas pelos biomas terrestres e ecossistemas marinhos. Apesar de parecerem dados expressivos, calcula-se que esses números representem apenas um pequeno percentual da diversidade do país, já que a identidade de centenas de milhares de outros organismos permanece um mistério.

Grande parte dessa biodiversidade, no entanto, antes mesmo de ser conhecida está ameaçada por atividades humanas não sustentáveis. A devastação descontrolada da Amazônia, por exemplo, faz com que estejamos num momento em que a taxa de destruição é muito mais rápida que a velocidade de descoberta de novas espécies.

Arte ilustra uma mulher indígena caminhando dentro de um rio e carregando sobre a cabeça um cesto com uma minicidade
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

É um cenário de corrida contra o tempo, pois a cada vez que uma área é desmatada, destruímos parte da biodiversidade que nunca mais conheceremos — uma vez perdida, provavelmente o será para sempre. Isso porque muitas espécies são encontradas somente em determinada região do globo, e em mais nenhuma. São as espécies endêmicas, que requerem atenção quanto a sua preservação. No Brasil, há preocupação especial com a Mata Atlântica e o Cerrado, biomas classificados como hotspots de biodiversidade por serem regiões com níveis excepcionais de endemismo e graves percentuais de perda de habitat.

Para além do impacto ambiental, a perda de nossa biodiversidade e a ignorância a respeito dela precisam ser analisadas do ponto de vista dos possíveis impactos econômicos e das oportunidades de desenvolvimento desperdiçadas. Atividades essenciais para a economia brasileira, como a agropecuária e a produção de alimentos e bebidas, são altamente dependentes do equilíbrio da natureza. É um contrassenso expandir essas atividades sem considerar as consequências da perda de diversidade nesses sistemas produtivos no médio e longo prazo.

A biodiversidade também deve ser considerada um ativo para alavancar o desenvolvimento econômico e social no Brasil. Ao desconhecer seu potencial, deixamos de produzir novos bioprodutos, como medicamentos, suplementos alimentares, biocombustíveis e cosméticos, entre outros.

É nesse contexto que nas últimas décadas o mundo vem discutindo oportunidades para passar à era da bioeconomia. Antes de mais nada, é preciso ressaltar que o termo bioeconomia pode ter muitos significados, dependendo do interlocutor. Aquela que pode beneficiar o Brasil de forma significativa é a que faz uso de recursos naturais em conjunto com novas tecnologias para criar produtos e serviços mais sustentáveis, sem prejuízo da biodiversidade. No caso brasileiro, um país com atuação consolidada no agronegócio, também é interessante incorporar conceitos da economia circular à bioeconomia. O modelo de bioeconomia circular irá gerar cadeias produtivas com menos desperdício, por meio da implantação de sistemas econômicos de ciclos fechados que aproveitam matérias-primas de forma mais completa, pois os resíduos gerados em um processo passam a ser matéria-prima na produção de novos produtos, agregando valor à cadeia como um todo.

Contudo, hoje, mesmo levando em conta o que já se conhece, há pouquíssimos estudos aprofundados que nos permitem usufruir de todas as potencialidades de nossa biodiversidade. Por exemplo, se olharmos para cadeias produtivas de frutos nativos como açaí, macaúba, cambuci, uvaia, jabuticaba ou licuri, vamos identificar uma gama de resíduos com uma diversidade química ainda pouco explorada, que por sua vez poderia ser fonte para obtenção de novos bioprodutos e derivados sintéticos. Essas potencialidades, no entanto, só serão desvendadas com o estímulo à pesquisa e à experimentação científica.

Foto da bióloga Ayla Sant’Ana, uma mulher de cabelo castanho escuro, preso em rabo de cavalo, óculos, calça vinho, blusa preta e botas, segurando um pé de açaí em uma área rural.
A bióloga Ayla Sant'Ana em área de cultivo de açaí no Pará. A cientista pesquisa como tornar a semente de açaí, cujo descarte é um problema ambiental no norte do país, em um produto de valor agregado. - Arquivo pessoal

Tais estudos fundamentais, que vão da classificação de novos microrganismos, animais e plantas a pesquisas direcionadas a aplicações industriais, podem constituir a base do desenvolvimento sustentável descentralizado e duradouro com potencial de impactar economias locais, já que a biodiversidade varia de um bioma para o outro. Por exemplo, a produção de insumos de alto valor agregado na Amazônia por meio de empreendimentos de base biotecnológica pode aumentar a geração de empregos e a demanda pela profissionalização da população local, minimizando efeitos migratórios para grandes centros.

A abundância de recursos naturais põe o país numa posição privilegiada para assumir um papel de liderança mundial na era da bioeconomia. Dificilmente, porém, novos medicamentos e inovações biotecnológicas surgirão enquanto a biodiversidade brasileira não for pesquisada e financiada de forma sistemática e contínua, com visão multidisciplinar e investimentos de longo prazo. Somente o fomento da pesquisa científica, além do investimento em infraestrutura e educação, darão ao país a oportunidade de se transformar num importante agente na produção de bioprodutos de alto valor agregado. Assim, a exploração racional de nossos recursos naturais pode se somar à nossa já consolidada produção de commodities, dando suporte ao desenvolvimento tecnológico.

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Ayla Sant’Ana da Silva é pesquisadora do Instituto Nacional de Tecnologia e docente do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica da UFRJ.

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