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Descrição de chapéu desmatamento

Como as florestas se regeneram do impacto humano

Catarina Jakovac aposta que florestas mais secas tendem a prevalecer e mudar paisagens da Amazônia e Mata Atlântica

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Boa parte do trabalho da ecóloga Catarina Jakovac consiste em se entranhar em florestas degradadas. Um dia, ela e sua equipe estavam numa área em Rondônia que começava a se regenerar – um lugar "ainda bem feinho", ela diz –, quando de repente se depararam com uma família de antas caminhando com seus bebês rumo a um lago para beber água. Todo mundo parou para assistir. "Tem essas surpresas", diz a cientista, que espera descobrir outras em sua pesquisa sobre a regeneração de florestas diante da ação humana.

A hipótese de Jakovac é que, nesse processo de regeneração de florestas frente ao impacto de atividades como a pecuária, a agricultura e o extrativismo, tendem a prevalecer as espécies de florestas secas em detrimento daquelas de florestas úmidas. Ou seja: sabe aquela imagem da Amazônia e da Mata Atlântica como florestas bem verdes e densas, com alta umidade do ar e muitas chuvas? Talvez já esteja se tornando uma representação pouco precisa desses biomas.

Arte ilustra pessoas sentadas em poltronas dentro de um ônibus ou trem, olhando pela janela a transição de uma paisagem do tipo savana para uma floresta úmida verde
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

As espécies que ocorrem em ambientes mais secos conseguem resistir melhor a mudanças climáticas e incêndios. É que distúrbios como esses favorecem aquelas que investem mais em sobreviver do que em crescer rápido. E, nas florestas úmidas, crescer rápido é essencial para vencer a competição por luz, que rege em grande parte a dinâmica e produtividade da floresta. "A seleção de certas espécies pelo impacto humano pode levar a uma cascata de efeitos que homogeneizará as formações florestais", diz Jakovac, professora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Vale dizer que florestas tendem a ser bastante resilientes e têm capacidade de voltar a ser o que eram antes da degradação. Mas, a depender da pressão sofrida, voltar ao que era antes pode se tornar impossível. E aí poderia acontecer a chamada transição de biomas: elas se tornam outro ecossistema. Florestas tropicais como a Amazônia, por exemplo, poderiam virar savanas – essa, aliás, é uma das hipóteses mais estudadas pelos cientistas nos últimos anos, embora as evidências mais recentes sugiram mais uma transição para florestas degradadas ou florestas secas.

Analisando a distribuição de florestas pelo mundo, vemos que florestas mais úmidas prevalecem em climas com pluviosidade acima de 2 mil milímetros de chuva ao ano, e savanas predominam em regiões com menos de 1.500 milímetros ao ano. Mas há uma zona no meio do caminho, entre mil e 2 mil milímetros, em que é possível ter os dois. "São regiões de bi-estabilidade, em que você pode encontrar floresta úmida ou savana dependendo de outros fatores que não o clima, já que este permite ambos", explica Jakovac.

O distúrbio é um efeito crucial para determinar a prevalência da savana em certas situações, como em regiões da África, no Cerrado brasileiro e no pampa do sul do país. Mas, entre floresta úmida e savana, a floresta seca é algo intermediário. Engloba espécies que estão em transição entre o Cerrado (caracterizado principalmente pelo bioma savana) e a Amazônia; entre a Mata Atlântica úmida e sempre verde, e vegetações mais secas, com preponderância de espécies que perdem suas folhas.

Isso acontece porque a natureza é mais complexa do que as definições que criamos para ela. Dentro do que chamamos de bioma Mata Atlântica, por exemplo, existem diferentes formações vegetais: a floresta atlântica úmida, que se vê na Serra do Mar; a semidecidual, mais em direção ao interior e subindo a serra; a floresta de araucárias, específica do sul do país; os campos rupestres, localizados em partes altas como a Serra dos Órgãos.

A própria savana, embora caracterizada por campos dominados por gramíneas, tem também espécies como o ipê, que perde as folhas durante a seca para não transpirar e economizar água. E, no bioma amazônico, há manchas de Cerrado que são nativas, relacionadas ao tipo de solo e disponibilidade de água naquelas áreas, e não fruto de degradação.

Quando pesquisadores foram estudar a hipótese de savanização da Amazônia, viram que as espécies que dominaram os novos ecossistemas abertos na região não eram típicas de savana, mas gramíneas invasoras nativas ou exóticas, e árvores resistentes ao fogo típicas de regiões mais secas. Esse fenômeno ocorre porque existe uma sobreposição de espécies de florestas mais úmidas e de florestas mais secas nas regiões das fronteiras da Amazônia. E essas últimas têm mais chances de sobreviver e persistir na paisagem em um cenário de mudanças climáticas, queimadas sucessivas em áreas de pastagem e degradação em geral.

Uma consequência dessa homogeneização florestal, que talvez soe óbvia, é a perda de biodiversidade. E, em ambientes mais iguais, a resiliência tende a ser menor. "Nessa situação que vivemos – de mudanças climáticas, aumento de eventos extremos e até uma certa imprevisibilidade –, uma variedade menor de espécies pode diminuir as chances de aquele sistema se regenerar", explica a cientista.

Outra consequência seria a redução do sequestro de carbono – o processo de remoção de gás carbônico da atmosfera e sua transformação em oxigênio, feito naturalmente pelas florestas, oceanos e solos –, uma vez que as florestas úmidas têm taxas de sequestro de carbono muito maiores que das florestas secas. Uma das razões é que, em ambientes secos, as árvores têm um crescimento mais lento, pois suas madeiras são mais densas. Na prática, essa mudança na dinâmica e no crescimento das florestas pode diminuir a taxa de renovação das águas e afetar o microclima local.

Para medir a regeneração das florestas, Jakovac monta uma espécie de cronossequência: por não poder passar 20 anos monitorando a mesma área para descobrir o que vai acontecer ali, ela mede uma que tem cinco anos, outra que tem dez, outra que tem 20. "Faço com muitas florestas para ter uma boa estimativa de taxa de crescimento, porque há toda uma variação ambiental que influencia suas características." Na floresta, ela tira o diâmetro das árvores, coleta amostras da madeira para mensurar sua densidade, e de sementes para testar sua tolerância à seca.

Tudo isso, claro, é feito com a ajuda de muita gente – por exemplo, botânicos especializados em identificar as árvores. Mas a participação na pesquisa vai além dos cientistas. "Uma das partes mais legais de estar no campo é o contato com uma cultura florestal muito rica, não apenas indígena, mas também cabocla, caipira. Encontramos pessoas que sabem tudo sobre as plantas e são capazes de nos levar a qualquer espécie. Aprendemos muito e dependemos demais deles. Na Amazônia, muitas vezes ficamos morando na casa das pessoas ribeirinhas."

Nascida na cidade de São Paulo, Catarina Jakovac, escaladora e trilheira, diz que foi o lazer que a levou à ciência. Na adolescência, se interessava mais pelo mar e achava que ia ser bióloga marinha, mas com o tempo foi sendo seduzida pelas florestas. Acabou, inclusive, se casando com um biólogo, com quem já trabalhou junto. "A diversão se uniu ao trabalho, que me fez ter ainda mais contato com a natureza. Para mim foi muito bom."

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Clarice Cudischevitch é jornalista, coordenadora do blog Ciência Fundamental e gestora de Comunicação no Instituto Serrapilheira.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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