Ciência Fundamental

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Descrição de chapéu genética

O cromossomo Y está sumindo

Como ficará a determinação sexual dos humanos se ele desaparecer?

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Rossana Soletti

No último dia de agosto de 2011, duas geneticistas travaram um debate numa conferência internacional em Manchester, na Inglaterra. Enquanto Jennifer Graves defendia que o cromossomo Y dos mamíferos estaria fadado a um desaparecimento gradual — tanto que alguns roedores já sumiram do mapa devido a uma degeneração contínua e rápida desse cromossomo —, Jennifer Hughes, embora concordasse com o histórico degenerativo do cromossomo, argumentava que o fenômeno já estaria estagnado em humanos. Passada uma década, ainda não temos certeza a respeito do destino do cromossomo Y, a despeito de muitas pesquisas apontarem para seu contínuo apagamento.

O sexo dos animais é determinado por fatores ambientais como a temperatura, ou genéticos, por meio da combinação de cromossomos específicos, como o X, Y, Z e W. Entender todos os aspectos que regem a determinação sexual não é simples. O que encontramos nos livros de biologia é que em mamíferos o sexo é estabelecido por cromossomos sexuais, sendo um herdado da mãe (o X) e outro do pai (o X ou o Y).

Arte ilustra uma mulher vestida de mágica segurando uma varinha com uma mão e, com a outra, ela tira da cartola uma letra Y
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Embora existam exceções, em geral as mulheres têm um par de X e homens um X e um Y. Há milhões de anos, os X e Y dos mamíferos eram muito semelhantes em tamanho e função, mas com o tempo o Y foi ficando para trás. Atualmente, o X humano abriga cerca de mil genes que codificam proteínas com diferentes papéis no organismo, da determinação da genitália ao desenvolvimento cerebral e à cognição. Já o Y ficou com somente cerca de 50 genes, incluindo o SRY, um dos responsáveis por comandar o desenvolvimento dos testículos.

Mas alguns mamíferos seguiram um caminho diferente. Ornitorrincos fêmeas, por exemplo, apresentam dez cromossomos X, e os machos, cinco pares de X e cinco pares de Y. No outro lado do espectro, uma espécie de toupeira da Europa perdeu em definitivo o cromossomo Y ao longo das gerações: machos e fêmeas carregam apenas um X, ou seja, outros cromossomos devem abrigar genes responsáveis pela determinação do sexo.

Além dessa toupeira, sabe-se que outra espécie de roedor, este no Japão, já não tem o antigo Y, o rato Tokudaia osimensisele não possui mais o gene SRY, e os genes encarregados da produção de espermatozoides foram translocados para um cromossomo compartilhado por machos e fêmeas. Os pesquisadores encontraram uma diferença entre os sexos no gene SOX9, que é duplicado nos machos. Humanos também possuem SOX9, que é ativado pelo SRY e tem um papel-chave na determinação do sexo masculino. Como os ratos japoneses perderam o Y e também o SRY, a hipótese é que a duplicação do SOX9 seja o botão que leva ao desenvolvimento da genitália nos machos.

Que futuro terá o Y entre os humanos? Estimativas que levam em consideração o surgimento dos cromossomos sexuais há 160 milhões de anos, e o tempo necessário para que o Y perdesse 95% de seu conteúdo, aventam que resta ao Y uma expectativa de vida entre 11 milhões a alguns milhares de anos. A possibilidade de seu fim é um fato, quando então formas alternativas de determinação do sexo tomariam seu lugar. Caso isso aconteça, outra mudança ainda maior pode surgir: se os novos sistemas evoluírem de modo desigual em distintas populações, espécies diferentes de humanos poderão surgir mundo afora...

Enquanto o papel do cromossomo Y segue garantido ao menos na atual geração, evidências recentes sugerem que alguns genes localizados nele podem estar relacionados a aspectos da saúde do homem, influenciando a resposta imune e inflamatória, e aumentando ou diminuindo o risco para certas doenças. Assim, com o desaparecimento do Y surgiriam outros complicadores.

Não sabemos se os homens XY existirão para sempre, mas nas próximas décadas a ciência deverá elucidar parte desse quebra-cabeças. Novos estudos já vêm reforçando a existência de genes relacionados ao desenvolvimento dos ovários e dos testículos que estão fora dos cromossomos sexuais, provando que os mecanismos de determinação do sexo são muito mais complexos e fascinantes do que se imaginava.

*

Rossana Soletti é doutora em ciências morfológicas e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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