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Descrição de chapéu mudança climática

O Antropoceno dá um passo à frente

Nova época proposta por pesquisadores ganha solidez com escolha de um lago no Canadá como ponto de referência geológico

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Meghie Rodrigues

Uma revolução fervilha, em fogo baixo, no mundo da geologia. E um anúncio dessa terça-feira, 11 de julho, acaba de aumentar a intensidade da chama: pesquisadores do Grupo de Trabalho do Antropoceno (AWG, na sigla em inglês) elegeram um ponto de referência geológica para demonstrar o advento da "época dos humanos", ou Antropoceno.

Na prática, é um avanço na decisão sobre se o Antropoceno deve entrar ou não na escala de tempo geológico que demarca oficialmente eras, períodos, épocas e outros intervalos da idade da Terra como conhecemos.

Arte ilustra uma pessoa segurando o planeta Terra, que começa a se desmanchar/ derreter sobre casas
Ilustração: Clarice Wenzel - Instituto Serrapilheira

De uma lista de 12 sítios geológicos que poderiam comprovar o surgimento da nova época, pesquisadores do AWG escolheram o lago Crawford — situado numa reserva natural ao sul de Ontário, no Canadá — como representante físico da mudança.

Com base em amostras coletadas em 2019 e 2022, um grupo de pesquisadores fez uma importante descoberta: as águas no fundo daquele lago continham oxigênio. Segundo a paleoclimatóloga Francine McCarthy — pesquisadora da Brock University, no Canadá, e coordenadora dos estudos no local —, encontrar oxigênio lá foi importante porque, assim, as camadas de rocha no leito do lago "conseguiram gravar, muito claramente, traços de plutônio liberado na detonação de bombas nucleares no início dos anos 1950" — marco temporal proposto como ponto de partida para o Antropoceno.

Para cravar um marco novo na cronologia geológica, os cientistas devem, antes de mais nada, recolher diversas amostras de rocha — e elas precisam espelhar uma grande mudança que tenha acontecido simultaneamente em escala global. No caso do Antropoceno, a explosão de bombas de hidrogênio poderia ser esse grande evento, já que nenhum continente escapou da radioatividade dessas explosões.

Uma vez eleita a amostra mais significativa, a discussão muda de patamar e é encaminhada para instâncias superiores. Agora a proposta do AWG precisa ser aprovada pela União Internacional de Ciências Geológicas, quando então a nomenclatura se tornará oficial. "A exigência de passar por três níveis de votação obriga a proposta a ser muito sólida. É um processo muito conservador, e há uma razão para tanto: não se pode formalizar uma unidade [estratigráfica] sem o apoio de evidências robustas," diz o geólogo Colin Waters, coordenador do AWG.

Popularizado em 2000 pelo biólogo Eugene Stoermer e pelo Nobel de Química Paul Crutzen, o termo Antropoceno deriva do grego — combinação de anthropos (humano) e ceno (novo) — e batiza uma nova divisão geológica, na qual as atividades humanas tiveram um impacto decisivo na mudança ambiental. Assim a Terra deixa para trás o Holoceno, iniciado no fim da última glaciação, há cerca de 11.700 anos.

Foi no Holoceno que a humanidade conseguiu seus maiores avanços, da criação de sistemas de agricultura a progressos no âmbito da política e da economia, passando pelo surgimento da escrita e da ciência. "Como o clima no Holoceno se manteve extraordinariamente estável, a Europa, sobretudo no Renascimento, se deu o luxo de criar uma filosofia que não levava a natureza em conta, como se apenas a relação entre humanos fosse decisiva," diz Renzo Taddei, professor de antropologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Por isso Taddei, que vem se debruçando sobre o tema há quase duas décadas, considera o Antropoceno uma "virada de chave" dramática, já que confere protagonismo à natureza na esfera do pensamento humano. "O Antropoceno nos mostra que o otimismo renascentista com relação à técnica, ao domínio da natureza e posteriormente ao capitalismo industrial era uma ilusão", ele acrescenta.

Para o físico e historiador da ciência Jürgen Renn, diretor do Instituto Max Planck para a História da Ciência, em Berlim, um dos grandes desafios que a possível nova época propõe é fazer "uma geologia do presente": abrir um novo capítulo no livro geológico enquanto testemunhamos a escrita dessa nova página — ou camada estratigráfica. Além disso, pelas perguntas filosóficas e questionamentos que suscita, a nova época "cria uma ponte entre as ciências naturais e as humanidades".

Taddei observa que, enquanto a geologia decide se oficializa o termo ou não, disciplinas como a filosofia e a própria antropologia adotaram-no imediatamente. O conceito não é perfeito, ele diz, "mas consegue encapsular nossa relação disfuncional com o planeta em múltiplas dimensões". Não porque tomamos consciência de que a reflexão era necessária, mas porque a natureza a impôs, com seu equilíbrio alterado e eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos.

"O Antropoceno nos pegou desavisados. Vejo essa época como um imenso 'tapa na cara' da arrogância ocidental moderna, que efetivamente julgava estar resolvendo todos os problemas históricos," conclui o antropólogo.

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Meghie Rodrigues é jornalista de ciência.

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