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Como diferentes espécies interagem de forma indireta na natureza

A jornada de um jovem ecólogo brasileiro rumo ao posto de primeiro autor na Nature

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Leandro Cosmo

Quem nunca se deixou influenciar por aquilo que um amigo de um amigo contou? Ou pela sugestão do vizinho de uma prima? Em nossos círculos sociais, somos constantemente influenciados — e vivemos influenciando — de forma indireta.

Em redes sociais, por exemplo, efeitos indiretos pautam a difusão de diferentes comportamentos, seja o consumo de bebidas alcoólicas e drogas, seja a cooperação entre indivíduos, o altruísmo e a percepção de felicidade em determinada população. Efeitos indiretos também podem controlar a disseminação de doenças contagiosas, o surgimento de inovações em diferentes áreas e a interconexão de mercados globais. Em geral, todo processo que se propaga por meio das interações entre os elementos de um sistema depende, em última instância, de efeitos indiretos.

Arte ilustra uma mão sobre peças de quebra-cabeça. em segundo plano há plantas variadas
Ilustração: Clarice Wenzel - Instituto Serrapilheira

Na natureza ocorre o mesmo: numa comunidade ecológica, milhares de indivíduos de espécies diferentes interagem. Ao longo de uma simples caminhada no campus da Universidade de São Paulo, ao observar borboletas, abelhas e moscas polinizando as flores, nota-se quão numerosas são as oportunidades de influências indiretas. Por exemplo, uma borboleta pode esgotar ou reduzir a quantidade de néctar de uma flor e assim prejudicar uma abelha que mais tarde vai visitar essa mesma flor. Nesse caso, trata-se de um efeito indireto ecológico mediado pela influência de uma espécie na densidade de um recurso (o néctar) compartilhado com outras espécies.

Mas as espécies também podem se influenciar indiretamente por efeitos evolutivos. A capacidade da borboleta — para retomar o exemplo — de consumir néctar e polinizar uma planta depende do ajuste de sua probóscide — seu aparelho bucal sugador — ao tubo polínico da flor. Portanto, numa determinada população seriam beneficiados tanto os indivíduos dessa espécie de borboleta quanto da espécie de planta cujos atributos se ajustam e geram uma interação mais eficiente, com uma aquisição maior de recursos pelos insetos, e uma eficiência maior de polinização da planta.

Como consequência, a interação ecológica entre a planta e a borboleta pode resultar em pressões seletivas que favorecem atributos com um maior ajuste, causando mudanças evolutivas em ambas as espécies. Se tais mudanças são recíprocas, o fenômeno é definido como coevolução.

O que ocorre, porém, quando uma terceira espécie também coevolui com a planta, como determinadas abelhas ou moscas? E se considerarmos uma comunidade com centenas de espécies de plantas e de polinizadores? É nesses cenários que se manifestam os efeitos evolutivos indiretos. O desafio, então, é quantificar a magnitude de tais efeitos e identificar as consequências para a ecologia e a evolução de espécies na natureza. E é sobre esse desafio que se debruça minha pesquisa de doutorado em ecologia na USP, sob orientação do biólogo Paulo Guimarães Jr.

O trabalho combina modelagem matemática, simulações numéricas e dados empíricos para entender como esses efeitos evolutivos indiretos moldam a aptidão média de uma espécie, que consiste em sua capacidade de sobrevivência e reprodução. Os resultados mostraram que, em comunidades de espécies mutualistas — aquelas que se beneficiam mutuamente —, os efeitos evolutivos indiretos dificultam a capacidade de adaptação das espécies a ponto de muitas sofrerem uma redução em sua aptidão média depois de coevoluírem numa rede de interações. E isso foi uma surpresa, uma vez que os efeitos diretos dos mutualismos aumentam a aptidão dos indivíduos que interagem.

Importante implicação desse resultado foi constatar a eventual redução da aptidão média das espécies quando algum fator externo perturba a comunidade e aumenta os efeitos evolutivos indiretos. A abelha do mel, Apis mellifera, por exemplo, quando introduzida numa comunidade, interage com muitas espécies de plantas, potencializa os efeitos indiretos, e pode reduzir a aptidão de outras espécies de plantas e polinizadores. Portanto, os resultados indicam que espécies invasoras podem ser disruptivas não somente no tempo ecológico (décadas e séculos), mas também ao longo do tempo evolutivo (milhares de anos).

Recentemente, publiquei esses achados como primeiro autor em um artigo na revista Nature, o que sem dúvida significa uma conquista e tanto para nós, cientistas brasileiros em início de carreira. Mas para chegar a esses resultados, o tempo e a ajuda de pesquisadores de áreas diferentes foram cruciais.

Nossa pesquisa foi feita ao longo de cinco anos, teve três versões diferentes, acumulou uma pasta com mais de 12 mil arquivos e reuniu um time de nove pesquisadores de quatro países diferentes (Brasil, Espanha, Estados Unidos e Suíça). Uma verdadeira jornada. O tempo foi essencial para amadurecer a ideia, realizar análises e refinar o manuscrito, enquanto os colaboradores foram fundamentais em diferentes etapas.

Com a geneticista Ana Paula Assis (USP) aprendemos muito sobre evolução e genética quantitativa; o físico Marcus Aguiar (Unicamp) nos instruiu e solucionou problemas quantitativos que a princípio pareciam impossíveis; o ecólogo Mathias Pires (Unicamp) nos guiou em muitas das análises que tratam das implicações práticas do trabalho.

Mas, uma vez encaixadas as peças do quebra-cabeça e compartilhados com os colegas diversos momentos "eureka", vejo que a real conquista está naquilo que motiva a mim e a muitos dos cientistas que conheço: perguntar, aprender e descobrir. Parafraseando o físico Richard Feynman, o prêmio está no prazer de descobrir, na emoção da descoberta e no compartilhamento com os pares.

Curiosamente, conheci Richard Feynman numa disciplina que cursei no mestrado, ministrada pelo ecólogo Sérgio Reis (Unicamp). Foi por causa dessa disciplina que falei com meu então coorientador de mestrado, Rodrigo Cogni (USP), de meu interesse em pesquisar sobre teoria em ecologia e evolução. Rodrigo Cogni me falou de Paulo Guimarães Jr., meu atual orientador, que me falou de nossos colaboradores... Como se vê, até minha tese de doutorado resultou de uma cascata de efeitos indiretos.

*

Leandro Giacobelli Cosmo é doutorando em ecologia na Universidade de São Paulo.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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