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O que é contar?

Matematicamente falando, parece simples, mas é mais complexo do que pensamos

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Edgard Pimentel

Caminhando pelas arestas de um grafo com vértices em Oxford, Madri, Querétaro e na serra de Coimbra, descobri que a cantora portuguesa Carminho gravou "Wave", de Tom Jobim. E foi só nesse contexto que percebi a matemática na letra: "O resto é mar/ É tudo que eu não sei contar". Afinal, sr. Maestro: o que é contar quando não é narrar?

A resposta irrefletida é simples: contar é reconhecer uma quantidade. É dizer que há 12 laranjas num cesto, ou que existem 11 números primos menores do que 34. Ou até que existem infinitos números racionais entre zero e um. Entretanto, talvez contar seja mais divertido do que apenas reconhecer quantidades. E mais divertido simplesmente porque pode ser mais matemático do que isso.

arte ilustra uma menina segurando uma laranja ao lado de uma tigela azul com várias laranjas
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

Um modo matemático de contar utiliza um objeto matemático conhecido por função. Esse objeto é uma regra que relaciona dois conjuntos, atribuindo a cada elemento do primeiro um, e apenas um, elemento do segundo. Um exemplo de função é associar a cada quadrado (com lados a medir X metros) a sua área. Por exemplo, a área do quadrado de lado 3 metros é 9 metros quadrados.

Contar objetos com o uso de uma função é um exercício simples. Basta prescrever uma regra que relaciona o conjunto dos objetos que queremos contar ao conjunto dos números naturais (1, 2, 3 e assim por diante…). Ao primeiro objeto do nosso conjunto de interesse, associamos o número 1. Ao segundo, associamos o número 2, ao terceiro associamos o número 3. E continuamos assim até exaurir o conjunto. Para saber a quantidade de elementos, basta olhar para o valor que obtivemos para o último elemento do conjunto.

Esse exercício é uma forma bastante particular de contar, quase uma simplificação de um fato muito mais geral e repleto de beleza. Trata-se da relação entre a cardinalidade de dois conjuntos e a existência de uma função entre eles a satisfazer determinadas propriedades.

De fato, considere dois conjuntos, A e B. Se existir uma função que associa a cada elemento de A um exclusivo elemento do conjunto B (o que quer dizer que dois elementos distintos em A estão associados a elementos distintos de B), saberemos que o número de elementos de B deve ser maior ou igual ao número de elementos de A. Por outro lado, se existir uma função que a cada elemento de A associa um elemento de B de modo que nenhum elemento de B deixe de ser escolhido, então o conjunto A terá, pelo menos, tantos elementos quanto o conjunto B. Uma função que satisfaz a primeira propriedade é chamada injetora; se satisfaz a segunda, é sobrejetora. Se houver uma função entre A e B que é tanto injetora quanto sobrejetora, então o números de elementos de A é igual ao número de elementos de B. Assim, contar a quantidade de elementos de um conjunto (um cesto, uma gaveta, uma sala de espera) reduz-se a encontrar uma tal função com um conjunto cujo número de elementos é conhecido. Ficou fácil, certo?

Mas essa estratégia tem um pré-requisito: temos de conhecer o conjunto cujos elementos queremos contar. Imagine que se quer saber qual a probabilidade de alguém adivinhar uma senha de 10 caracteres, criada com um alfabeto de 23 letras (minúsculas) e 10 algarismos. Aqui é preciso contar quantas senhas nessas condições existem. E talvez seja mesmo difícil lidar diretamente com este objeto.

Uma caixa de ferramentas matemáticas verdadeiramente poderosa para o exercício de contar é a combinatória. No exemplo concreto das senhas, basta notar que um alfabeto de 23 letras e uma lista de 10 algarismos oferecem 33 opções para cada dígito. Assim, o número possível de senhas é 3310. Ou seja, 1 531 579 000 000 000 senhas. Já a chance de alguém adivinhar uma tal senha na primeira tentativa é de 1 em 1 531 579 000 000 000. Ou 1 dividido por 1 531 579 000 000 000. Isto é, aproximadamente, 0,00000000000006%. E a resposta mudaria caso incluíssemos as letras maiúsculas no processo. É que haveria 46 possibilidades de letras e as mesmas 10 possibilidades de números, gerando 56 opções para cada caractere da senha.

Além de frutas em um cesto e senhas com tais e tais características, queremos contar mais coisas! Por exemplo, queremos saber quantas vezes o dia 20 de abril caiu em uma quinta-feira depois da queda do Muro de Berlim. Ou quantas sextas-feiras 13 há em um ano em que 13 de janeiro é uma quarta-feira. (A resposta à última pergunta é uma única sexta-feira 13! Mas como se chega a ela é um tema pra uma outra conversa.)

Apesar de parecer simples, contar pode ser bem complicado. E apesar de ser sempre divertido, pode envolver fatos novos, a princípio não relacionados com a tarefa. De qualquer maneira, experimentar contar, e internalizar o exercício intelectual que isso representa, pode ser um grande aliado para naturalizar o pensamento matemático. Já se perdeu a conta de quantas vezes deu certo.

*

Edgard Pimentel é pesquisador do Centro de Matemática da Universidade de Coimbra.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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