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Descrição de chapéu indústria

Os antiaderentes que aderiram no mundo

Uma classe de produtos químicos persistentes está causando prejuízos à saúde e ao ambiente

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Rossana Soletti

Em 2017, Jack tinha poucos meses quando seus pais, Seth e Tobyn McNaughton, souberam por um grupo de moradores e advogados que a água de abastecimento da região onde viviam, em Michigan, nos Estados Unidos, estava sendo contaminada havia anos por uma fabricante de calçados. Produzidos desde 1960, os PFAS constituem um grupo com cerca de 10 mil substâncias per e polifluoralquiladas, que são compostos sintéticos de cadeias lineares contendo muitos átomos de flúor.

Com ligações químicas difíceis de serem destruídas, podendo permanecer no ambiente por séculos, esses contaminantes são utilizados em muitos processos industriais. Largamente empregados em produtos de consumo graças às suas propriedades de resistência à água, óleo e manchas, encontram-se em tecidos impermeáveis, embalagens de alimentos à prova de óleo, produtos de higiene pessoal, utensílios domésticos, circuitos eletrônicos, pesticidas e espumas anti-incêndio, dentre outros.

Arte ilustra uma casa envolta em meio a uma fumaça tóxica e suja que sai de um extintor de incêncio
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

A indústria calçadista se valia de um impermeabilizante da multinacional 3M que poluiu as águas subterrâneas e vários rios da região da família McNaughton. Testes revelaram que Jack tinha milhares de vezes o limite aceitável de PFAS no sangue, o que provavelmente é a razão de até hoje ele adoecer com muita frequência. Sua mãe teve duas perdas gestacionais. Embora não seja possível atribuir com total certeza essas condições à contaminação por PFAS, centenas de estudos mostram que eles podem afetar a fertilidade, comprometer o sistema imunológico, diminuir a resposta às vacinas, alterar o crescimento e o comportamento infantil, além de aumentar o risco de doenças metabólicas, obesidade e câncer.

Em 2020 os McNaughton conseguiram um acordo com a produtora de calçados e a 3M, por valores não revelados. Assim como eles, milhares de famílias e municípios nos Estados Unidos entraram com ações contra empresas produtoras e usuárias de PFAS que têm impregnado águas, solo e alimentos. A situação é tão crítica que em junho de 2023 a 3M concordou em pagar mais de 10 bilhões em indenizações para 300 comunidades estadunidenses, e outras três companhias, DuPont, Chemours e Corteva, desembolsaram mais de um bilhão.

A questão dos PFAS não é exclusiva dos Estados Unidos, já que essas substâncias e as indústrias que as produzem e utilizam estão por todo o mundo. Um projeto europeu de monitoramento de contaminantes pesquisou a presença dessas substâncias no sangue de adolescentes e as detectou em 100% das amostras, 14% das quais apresentavam níveis acima dos limites de tolerância. Níveis centenas de vezes maiores não são raros, sobretudo em trabalhadores e moradores de regiões próximas a parques industriais, bases militares e aeroportos — nesses últimos, as espumas frequentemente usadas contra incêndios acabam por se infiltrar no solo.

Uma agravante é que, devido ao grande número de substâncias classificadas como PFAS, não é possível avaliar a exposição a todas elas. Monitoramentos mais abrangentes na população europeia demonstram que os níveis das mais estudadas e que são sujeitas à regulamentação em vários países, as chamadas PFOA e PFOS, têm decaído nos últimos anos, mas níveis de novos PFAS têm aumentado.

Numa tentativa de remediar o problema, a Comissão Europeia estuda propor que sejam banidos todos os PFAS, por serem tóxicos, persistirem por anos no ambiente e se acumularem em organismos vivos. A indústria contra-argumenta dizendo que o risco não é real e que atualmente eles são essenciais em inúmeros produtos. O mercado global de PFAS é de cerca de 28 bilhões de euros anuais, mas uma estimativa dos custos para remediação de todo solo e águas poluídas no mundo chegou a mais de 16 trilhões de euros.

Se a contaminação por PFAS alcança mídias e tribunais em vários países, no Brasil navegamos em um vazio de informações. Apesar de sermos signatários da Convenção de Estocolmo, um tratado internacional que rege poluentes persistentes e restringe a utilização de PFOS e PFOA, por aqui eles são usados em algumas aplicações, e outros milhares de PFAS não estão regulamentados. São raros os estudos que analisam a ocorrência de PFAS no ambiente brasileiro e, ainda que restritos a poucas regiões, em todas eles foram detectados. O país precisa desenvolver com urgência estratégias nacionais de controle dos PFAS, e para isso é necessário apoiar a pesquisa de monitoramento desses contaminantes e a avaliação dos possíveis danos ao nosso ecossistema e à saúde pública brasileira.

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Rossana Soletti é doutora em ciências morfológicas e professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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