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A consciência também é matemática

Faz de conta ou dá-se conta: as teorias matemáticas da nossa percepção de mundo

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Edgard Pimentel

Lembro que depois de alguma travessura minha mãe sempre falava: "Edgardzinho, por favor, ponha a mão na consciência!". Quando meu senso de humor (ou nível de coragem) permitia, eu retrucava: "Mas onde fica a consciência?". A pergunta tem cara de provocação, é claro. Mas o surpreendente é que questões parecidas são formuladas por diversos cientistas, em diversas disciplinas. A surpresa? A consciência também é matemática!

Uma teoria da consciência é motivada por diversas perguntas. Por exemplo, por que é mais fácil associar a cor cinza à cor preta do que à amarela? Ou por que é que quando vemos um relâmpago esperamos escutar um trovão?

Arte ilustra o meme da Nazaré Tedesco confusa, com imagens de fórmulas matemáticas e formas geométricas ao seu redor
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Note que há perguntas acerca da consciência que dizem respeito à maneira como o cérebro estabelece relações (relâmpago e trovão) por meio de sentidos diferentes (visão e audição). E há outras questões também muito interessantes. Uma delas relaciona a consciência ao volume de atividade cerebral. Durante a fase REM do sono (REM é a sigla para movimento rápido dos olhos), por exemplo, não estamos conscientes, embora ocorra intensa atividade cerebral. Outra questão envolve a estrutura necessária para que um organismo desenvolva consciência. Um recém-nascido tem consciência? Ainda nessa linha, é possível que um computador desenvolva consciência? Essas duas classes de perguntas têm sido examinadas na literatura por meio de modelos matemáticos rigorosos.

A teoria associada à primeira classe de perguntas (relâmpago e trovão) concentra-se na estrutura do cérebro. Aqui, a consciência é uma fotografia da atividade cerebral em determinado instante. E essa fotografia precisa ser interpretada à luz de relações entre regiões distintas do cérebro. Vamos comparar dois estados distintos do cérebro. Por exemplo, quando vejo uma fotografia do Caetano Veloso e ouço dizerem "Armênia" ou "Londres".

Em ambos os casos, meu cérebro tem estados parecidos, pois as áreas responsáveis pela visão e pela audição estão ativas. Entretanto, minha biblioteca de informações gera relações diferentes entre os dois conjuntos de estímulos e, do ponto de vista da consciência, eu obtenho resultados diferentes. Quando vejo a fotografia e ouço a palavra Armênia penso no disco "Muito", que escutei vezes sem conta a caminhar pela capital, Yerevan, em 2018. Quando ouço a palavra Londres ao ver a mesma foto, penso no conceito de exílio.

Uma explicação para consciências tão díspares é proposta pelo cientista britânico Jonathan Mason. O cérebro escolhe como relacionar as duas informações – visual e auditiva – sopesando a minimização de um custo! Na verdade, dado um conjunto de estímulos, o cérebro minimiza a quantidade de informação necessária para interpretá-lo à luz das referências disponíveis (erudição, experiências ou algo parecido).

A consciência nada mais é do que o resultado desse processo. E esse custo não é uma medida qualquer, mas sim uma medida da desorganização do sistema. Em outras palavras, uma forma de entropia. Parecida com a medida introduzida por Claude Shannon quando da fundação da teoria da informação. No caso que nos interessa, vê-se que consciência depende do estoque de experiências do cérebro – o que diz algo sobre a consciência em recém-nascidos, por exemplo.

A teoria baseada em minimização da entropia é indutiva. Isto é, começa com um objeto concreto (o cérebro e suas estruturas), e propõe um modelo. Outra maneira de ver o problema é dedutiva: pensamos em abstrato e imaginamos que a consciência está ligada a alguma estrutura. O cérebro humano seria apenas mais uma das estruturas em que ela ocorre. E começamos com axiomas e postulados – como fez Euclides, que nos brindou com o axioma das retas paralelas. Usando lógica, manipulamos os axiomas e postulados e tiramos conclusões. E como a teoria opera sem pressupor o cérebro como lugar da consciência, esta pode acontecer em qualquer sistema.

Quem faz este exercício dedutivo é a teoria da informação integrada da consciência (IIT). Dentre os axiomas em que se baseia a IIT estão a existência (a consciência existe), a composição (a experiência se compõe de informações diferentes) e a exclusão (em cada instante do tempo, ocorre apenas uma experiência). Já os postulados são acerca dos mecanismos que viabilizam a experiência, como nossos sentidos; entre eles, figura a existência de mecanismos e a sua composição: mecanismos elementares se combinam em outros mais complexos (como o corpo humano).

Lembre-se de que a IIT não pressupõe o cérebro e opera em um nível mais abstrato. Como consequência, ela apresenta conclusões mais gerais. Uma delas é que sistemas inativos (p.ex. um paciente em coma) pode ter consciência. Outra consequência interessante é que dois neurônios bastam para produzir consciência. Ou melhor, um emissor e um receptor de sinal são suficientes para produzir consciência. Um possível corolário é a viabilidade da consciência artificial.

Um risco grave do tratamento teórico do que quer que seja é a simplificação, que ao ser exageradamente redutora pode remover a beleza do fenômeno que nos encantou a princípio. No caso de uma teoria matemática que tenta explicar como apreendemos o mundo, estamos conscientes de que este risco não se põe.

*

Edgard Pimentel é professor do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra e pesquisador do CMUC.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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