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A astronomia para além dos céus europeus

A partir da arte e da literatura, o astrofísico Alan Alves Brito investiga como povos indígenas e africanos percebem o céu e a terra

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Pedro Lira

Quando o autor russo Vladimir Nabokov escreveu que "não há ciência sem imaginação nem arte sem fatos", talvez não estivesse falando especificamente da astronomia, mas essa constatação diz muito sobre esse campo do conhecimento. Assim como a arte, a astronomia é uma estratégia para construir outros imaginários: pelo menos assim define o astrofísico Alan Alves Brito, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020 com o livro "Astrofísica para a educação básica: a origem dos elementos químicos no universo".

Brito acredita que a astronomia dialoga de perto com as artes quando ela demanda dos cientistas imaginação para entender objetos muito distantes. "Crianças sempre me perguntam como é dentro de um buraco negro ou como as estrelas explodem. São questões cujas respostas precisam abraçar a criatividade", ele conta.

arte ilustra um banco esculpido em madeira típico do povo africano Dogon. Uma mão de uma pessoa em pé repousa sobre ele
Ilustração: Clarice Wenzel - Instituto Serrapilheira

O pesquisador baiano, bacharel em física e mestre e doutor em astrofísica estelar pela Universidade de São Paulo (USP), defende o reconhecimento das linguagens artísticas como ferramentas para se pensar fenômenos como o Big Bang, a expansão do universo ou a evolução dos planetas. Seu foco está nas linguagens de povos originários do Brasil e daqueles trazidos da África, outras formas de acessar a curiosidade humana que nos levam a questões filosóficas como "quem somos", "de onde viemos" e "por que estamos aqui".

"A história da astronomia hegemônica – europeia, masculina, branca, cis-heterossexual – é muito visual. Imagens do telescópio espacial Hubble e agora do James Webb encantam a humanidade. Mas essa experiência não é exclusiva da astronomia. Precisamos explorar as percepções praticadas por diferentes povos", diz ele. São experiências olfativas, sonoras e artísticas que nos ajudam a interpretar o mundo e responder àquelas questões mais fundamentais da humanidade.

"O que proponho é olharmos para culturas que vão além da cosmovisão e que nos trazem ensinamentos sobre ciência, tecnologia e filosofia por meio de cânticos, batuques, esculturas, cestarias e diferentes formas de expressão", defende.

O povo Dogon, por exemplo, uma pequena etnia africana, representa a criação do mundo em bancos esculpidos em madeira que mostram o céu e a terra como dois discos sustentados por espíritos ancestrais. Em seus rituais, utilizam máscaras com longas pontas, representando essa conexão entre os dois planos. Já os povos Tabwa, do Congo, têm como modelo científico cestas que representam a Via Láctea, o firmamento e, em seus detalhes, os pontos cardeais.

Em territórios brasileiros, o povo Tupi-Guarani utiliza em seus rituais batidas e cânticos para explicar o mundo. Correspondências de constelações e estrelas gregas como as Plêiades e Cassiopéia, por exemplo, são chamadas de Vespeiro e Anta do Norte e simbolizam o início do ano Tupi-Guarani e o início da primavera. "Sabemos pouco sobre essas línguas e o que elas podem nos ensinar sobre a origem do universo", diz Brito.

A partir das línguas faladas no Brasil e na América, ele desenvolveu em sua especialização em literatura brasileira, cursada na UFRGS, uma tese que ressalta uma relação entre a astrofísica hegemônica e outras perspectivas sobre o céu e a terra. O olhar para as expressões de arte desses diferentes povos como possibilidade de entendimento de suas cosmologias é o que ele chama de cosmologia decolonial.

Se a ciência tradicional hierarquiza as explicações sobre o céu e a terra, as cosmologias decoloniais nos incitam a pensar diferente, trazendo para nosso dia a dia formas de pensar que vão além da matriz europeia. "São cosmopolíticas que tensionam mundos diferentes. Pensam como uma cosmologia europeia, uma africana e uma indígena podem ficar lado a lado. Existir e resistir juntas", diz Brito.

"Os modelos científicos europeus que vemos nos livros de física são também representações artísticas. Qual a diferença da representação visual do espaço-tempo que aprendemos na universidade e a do mundo das cestas dos povos Tabwa?", ele questiona.

E essa também é uma missão das ciências exatas. Brito aponta que, se foram elas as responsáveis pela definição do que é ciência e tecnologia ao longo da história moderna e contemporânea, cabe também a elas reconhecer seu papel na exclusão de pessoas e na missão de reintegrá-las. "A física precisa refletir sobre seus preconceitos e exclusões -filosoficamente, epistemologicamente e matematicamente, mostrando que estamos todos conectados", ele diz. E acrescenta que a ciência só será humana e coletiva quando for diversa e inclusiva. "Enquanto não fizermos isso, estamos descartando a potência de criatividade que pessoas negras e indígenas trazem."

Nessa perspectiva, o pesquisador defende que as humanidades são fundamentais para as ciências exatas. "Essas conexões não caem do céu. Elas vêm do pensamento crítico, da leitura, da aprendizagem, do contato e das vivências. São fundamentais para ajudar a pensar numa outra astrofísica. E sinto que cada vez mais as pessoas da minha área estão entendendo o que estou dizendo."

*

A entrevista com Alan Alves Brito foi feita no Night Lab, evento interativo promovido pelo Museu SESI Lab, de Brasília (DF), para aproximar o público adulto de pautas científicas. O Serrapilheira participou da edição de setembro de 2023, a convite do SESI Lab.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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