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O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Descrição de chapéu mudança climática

O maior desafio para a conservação ambiental é político, afirma Anne Magurran

Referência no estudo da quantificação da biodiversidade, a ecóloga britânica aposta no diálogo entre cientistas e formuladores de políticas públicas

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Pedro Lira

A conservação ambiental não é um trabalho cientificamente complexo. Pelo menos é o que diz a britânica Anne Magurran, professora de ecologia na Universidade de St Andrews, na Escócia, e referência mundial no estudo da quantificação da biodiversidade. Pesquisadores investigam e caracterizam espécies de determinados ecossistemas e pensam em mecanismos para protegê-las. O desafio maior, ela diz, está na política para implementá-los.

Autora de diversos livros sobre medição da diversidade biológica e sua importância para a conservação, a ecóloga conta que áreas conservadas são alvo de interesses financeiros. "Quando fazemos um trabalho bem-feito, automaticamente entramos em conflito com a agenda econômica." É o que ela chama de paradoxo da conservação: quanto mais uma área resiste ao "desenvolvimento", mais valiosa ela se torna. E cabe aos pesquisadores a missão de protegê-las.

arte ilustra a ecóloga britânica anne magurran abraçando um caldeirão onde estão diversos besouros, sobre os quais repousa um arco-íris
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Magurran explica que, em termos financeiros, de início uma área com mata pode não parecer tão importante. Mas se mantivermos a cobertura florestal intacta, teremos um clima mais estável. Equilibrando as chuvas, evita-se a erosão do solo e modera-se o fluxo dos rios para evitar inundações sem deixar de abastecer as cidades. "Do ponto de vista ético, é nossa obrigação proteger o meio ambiente, mas temos muitos motivos pragmáticos também. É uma espécie de interesse egoísta no final das contas", admite.

Essa missão, segundo a professora, tende a ficar mais desafiadora nas próximas décadas. A britânica acredita que a nova geração de cientistas, principalmente os ecólogos, terão que dialogar cada vez mais com políticos e formuladores de políticas públicas. "No passado, havia mais abertura ao debate sobre proteção ambiental. Hoje percebo que em muitos países ela é vista como um estorvo ao desenvolvimento. Nosso desafio vai ser promover essa pauta."

E se o objetivo da conservação é preservar a biodiversidade, o melhor caminho é dispor de profissionais que conheçam essa biodiversidade. É nessa área que Magurran atua. "Os ecossistemas não são entidades estáticas. As espécies vão e vêm naturalmente. Isso porque a evolução é constante, acontece de forma dinâmica", explica. É na proteção dessa dinâmica que está seu foco.

Para essa missão, a principal ferramenta dos cientistas são os modelos matemáticos. Em suas pesquisas, Magurran desenvolve métodos estatísticos úteis para biólogos e conservacionistas fornecerem uma boa descrição de seus ambientes de pesquisa.

A lógica é simples: para que um pesquisador não precise contar manualmente quantas espécies de besouros existem em uma floresta, ele utiliza estatísticas que trazem uma estimativa robusta das espécies que ali habitam. Assim, é possível comparar as espécies de um hábitat conservado com as de um ambiente agrícola, por exemplo. "Os modelos são uma forma de resumir o mundo de forma simplificada", diz Magurran.

Outro exemplo clássico da ecologia é o estudo da dinâmica de espécies em um ambiente. É possível modelar a relação espécie-espaço e predizer quantas espécies haveria, por exemplo, em uma área maior. "Se você entrar em uma floresta de, digamos, um hectare, e apenas contar o número de espécies, você obterá um valor específico. Mas digamos que você queira saber esse número em uma floresta de 10 hectares. Você não pode simplesmente multiplicar os valores, pois eles seguem uma relação não-linear", explica a cientista. A partir dos modelos é possível então fazer uma boa estimativa de quantas espécies ocupam essa área mais ampla.

E não pense que a resposta está só na "ponta do lápis". Apesar de ser uma ecóloga teórica, Magurran tem vasta experiência em pesquisa de campo, em biomas do Brasil, Irlanda, Escócia e Argentina. "É muito importante que estudantes da ecologia tenham essa experiência. Você realmente não entende uma coisa até vê-la de perto; até visualizar os desafios de conseguir uma boa amostra de dados e o tempo que leva", conta. "Sabendo das dificuldades enfrentadas por quem foi a campo, temos especial apreço por essas pessoas que coletam os dados que usamos na teoria."

Seu conselho para a futura geração é prático. Se o desafio na área será político, é preciso escolher uma questão que de fato interesse ao pesquisador, que deverá aprender ao máximo sobre ela. Aquele que se tornar especialista em algo será capaz de colaborar na formulação de políticas públicas e ensinar as gerações futuras. "Se você ama o que faz, então você é o melhor defensor disso", conclui.

Anne Magurran esteve no Brasil em fevereiro de 2024 para dar aulas sobre quantificação da biodiversidade a alunos da Formação em Ecologia Quantitativa, promovida pelo Instituto Serrapilheira.

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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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