Ciência Fundamental

O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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O óbvio

Estudos que comprovam o que está na cara nos forçam a encarar as falhas e injustiças da academia

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Fernanda Stanisçuaski

Há algum tempo, me vi numa acalorada discussão com um renomado cientista brasileiro. O ponto de discórdia? Um artigo sobre diversidade na ciência que ele trouxera para o grupo. "Um desperdício de recursos", afirmou, categórico. "Qualquer pessoa com dois neurônios tiraria essas conclusões sem precisar de um estudo." Essa declaração me incomodou profundamente.

É frequente, na academia, nos confrontarmos com afirmações de que estamos apenas reafirmando o óbvio ao apresentar dados sobre temas sociais. No entanto, essas "verdades óbvias" costumam ser negadas quando se trata de reconhecer os impactos reais e sistêmicos. A ironia é palpável no discurso daqueles que afirmam a trivialidade de certos estudos, enquanto negam a existência de problemas se cobrados da necessidade de mudança. Mais do que uma ironia, é um paradoxo.

Mulher sai com um bebê de colo de dentro de uma cortina de teatro verde com estampa de gráficos.
Ilustração: Julia Jabur / Instituto Serrapilheira - Instituto Serrapilheira

A ciência, essencialmente uma busca pela verdade, nos obriga a provar o que parece evidente, tendo um papel crucial em esclarecer a realidade. Não basta afirmar que algo é intuitivamente correto; é necessário demonstrá-lo com dados concretos e metodologias rigorosas para validar nossas intuições.

Tomemos a maternidade como exemplo. Estudos mostram consistentemente que mulheres que se tornam mães enfrentam desafios significativos em suas carreiras científicas. A produtividade pode diminuir nos primeiros anos de maternidade —o que raras vezes acontece com o pais—, enquanto as oportunidades de progressão muitas vezes se reduzem, levando inclusive ao abandono da carreira.

Essa realidade é evidente para muitas cientistas, cujas experiências, sem dados robustos, são descartadas como meros relatos anedóticos. Ouvi muito no início do trabalho do Parent in Science que eu estava falando da minha experiência pessoal e não do que de fato acontecia na academia como um todo. As portas só se abriram para nosso movimento quando traduzimos em números aquilo que era óbvio para quem vive(u) a maternidade na academia.

No entanto, mesmo quando apresentamos evidências claras dos impactos da maternidade na carreira acadêmica das mulheres aqui no Brasil, somos frequentemente acusadas de "mimimi" ou de buscar desculpas. A narrativa da meritocracia e do esforço individual prevalece: se alguém não está progredindo, é porque não está se esforçando o suficiente. Esse argumento ignora os numerosos obstáculos sistêmicos, como políticas de licença parental inadequadas e a falta de apoio institucional às mães (cientistas ou não).

Essa resistência em reconhecer a importância de mostrarmos o óbvio reflete uma relutância em enfrentar mudanças que desafiam o status quo. Reconhecer os impactos da maternidade (ou de qualquer outro fator social) na carreira acadêmica ou científica implica admitir que o sistema atual é injusto e requer mudanças significativas. No entanto, alterar sistemas arraigados é uma tarefa monumental que muitos preferem evitar.

Ao ignorar a necessidade de investigar o óbvio, perpetuamos as desigualdades que os dados tentam evidenciar. A pesquisa detalhada sobre os impactos da maternidade, do sexismo, do racismo e de outros preconceitos na academia não é apenas legítima, mas essencial para informar políticas que possam mitigar essas disparidades. E para derrubar os argumentos rasos de que a academia não enxerga gênero, raça ou classe social, apenas talento e empenho.

Portanto, quando confrontada com a afirmação de que os impactos da maternidade na ciência são óbvios, eu concordo. Mas o óbvio precisa ser provado para ser aceito, e aceito para ser mudado.

Estudos que comprovam o que está na cara nos forçam a encarar as falhas e injustiças do sistema, antes camufladas atrás da cortina da esfera individual, exigindo um compromisso com a mudança que muitos não estão dispostos a fazer. Reconhecer que há problemas na estrutura acadêmica e científica significa aceitar que soluções são necessárias e que estas soluções podem desafiar privilégios e confortos estabelecidos. E não precisamos de mais de dois neurônios para entender por que isso incomoda tanto.

*

Fernanda Staniscuaski é professora do Instituto de Biociências e pesquisadora do Centro de Biotecnologia da UFRGS. Mãe de três guris, é fundadora e coordenadora do Movimento Parent in Science.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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