Darwin e Deus

Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas

Darwin e Deus - Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes

Para povos antigos, mortos sem enterro eram perigo para os vivos

Rituais funerários não eram só formalidade, pois impediam 'vingança' de defuntos

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Nunca precisei de justificativa para ler sobre a Antiguidade (sabe como é, amor a gente não explica), mas, se alguém me pergunta por que vale a pena saber mais sobre povos de épocas e lugares remotos, a resposta está sempre na ponta da língua: porque eles ajudam a sacudir da nossa cabeça o que parece óbvio. Por exemplo: por que enterramos os mortos? Ou, se não os enterramos, cremamos ou damos algum outro tipo de tratamento muito específico aos restos mortais dos entes queridos?

Tive uma dessas chacoalhadas ao ler sobre o fim trágico de Sargão II, rei da Assíria (que ficava mais ou menos no norte da atual Iraque) que morreu em combate no ano 705 a.C. (A imagem abaixo provavelmente foi produzida durante o reinado dele ou no de seu filho, Senaqueribe.)

Baixo-relevo da época assíria encontrada num antigo canal perto da cidade de Nínive, no norte do Iraque - AFP/HO/TERRA DI NINIVE

A grande questão aqui é que o corpo de Sargão nunca foi encontrado e jamais chegou a ser, portanto, sepultado com os devidos ritos fúnebres. E há uma série de pistas de que isso virou um trauma político e pessoal para Senaqueribe, o sucessor do rei.

Não foi só pela vergonha de ter perdido o pai numa derrota militar. A crença assíria, que era compartilhada por praticamente todo mundo na Antiguidade, é que cadáveres insepultos, que não foram tratados com o devido respeito após a morte, literalmente PRODUZEM almas penadas. Se a pessoa não for enterrada decentemente, acontecem duas coisas, segundo essa crença generalizada:

1)Os deuses do mundo inferior basicamente fecham a porta na cara da coitada, de modo que seu espírito não tem descanso;

2)A alma vilipendiada dessa maneira pode muito bem acabar se voltando contra os vivos. Não há nada mais perigoso e cheio de ressentimento quanto um morto insepulto.

É claro que a mentalidade moderna se afastou muito dessa visão. Mesmo pessoas muito religiosas de hoje não acham que um ente querido não vai conseguir "descansar" caso seu corpo seja totalmente destruído num acidente aéreo ou num incêndio, por exemplo.

Mas a razão pela qual ainda damos tanta importância aos ritos funerários muito provavelmente representa um elemento "fossilizado" dessa crença antiga.

Reinaldo José Lopes

Repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros

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