Darwin e Deus

Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas

Darwin e Deus - Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu mudança climática

O que significaria uma justiça que transcende a espécie humana?

Ideia proposta em estudo sobre 'limites planetários' é revolucionária, mas vaga

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Escrevi ontem nesta Folha sobre a nova versão do conceito de "limites planetários" proposta por pesquisadores como o sueco Johan Rockström. Grosso modo, a ideia é formular, de maneira quantitativa, limites de ação da humanidade no que diz respeito a uso de recursos e preservação das características da biosfera. Se esses limites são ultrapassados, significa que estamos empurrando a Terra rumo a um estado em que a autorregulação de tais características fica perigosamente próxima de sair do controle, ameaçando a todos nós.

A novidade na formulação dos limites é incluir balizas que sejam não apenas "seguras" para a biosfera, mas também "justas". E, nesse ponto, a equipe de Rockström incluiu no pacote o conceito de uma justiça não só em relação a comunidades mais vulneráveis diante da mudança climática, por exemplo, mas também a chamada justiça interespécies. "A justiça interespécies tem como objetivo proteger os seres humanos, outras espécies e os ecossistemas, rejeitando o excepcionalismo humano", diz o artigo. Ou seja, rejeitando a ideia de que apenas os interesses dos seres humanos importam quando pensamos em termos éticos.

"Bacon" de baleia disponível em máquina de venda de comida no Japão
"Bacon" de baleia disponível em máquina de venda de comida no Japão - Androniki Christodoulou/Reuters

A ideia me parece -- perdão pelo pleonasmo -- eminentemente justa, intuitivamente "correta". É basicamente o certo a fazer, em suma. Mas as implicações são um bocado complicadas de definir, como aponta o autor de um artigo comentando os novos limites planetários para a revista científica Nature. Stephen Humphreys, da Escola de Economia e Ciência Política de Londres, observa: "O excepcionalismo humano é rejeitado, mas não está claro o que deveria ficar no lugar dele".

A discussão não é propriamente nova. Muitos filósofos e juristas dos países desenvolvidos já falam, por exemplo, em conceder direitos básicos análogos aos direitos humanos -- o de não ser aprisionado contra a vontade e o de não ser morto, por exemplo -- a animais com vida mental e social sofisticada, como os grandes símios, elefantes, golfinhos e baleias. Quando pensamos em termos de ecossistemas e biodiversidade, a coisa fica bem mais complicada, porém.

É "justo" desmatar 100 ou 1.000 hectares para abrir um novo condomínio fechado no interior de São Paulo quando poderíamos simplesmente erguer prédios mais altos no centro da cidade, por exemplo? A venda de cães e gatos com pedigree deveria ser terminantemente proibida, já que a criação desses animais comprovadamente produz indivíduos com doenças crônicas de origem hereditária?

Não há respostas fáceis aí, e as forças econômicas por trás do tráfico de animais, do desmatamento e de tantos outros fatores que estimulam a violação dos limites planetários são gigantescas. Mas me parece seguro dizer que as razões para achar que o antropocentrismo é a escolha ética óbvia são cada vez menos convincentes.

Reinaldo José Lopes

Repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros

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