Darwin e Deus

Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas

Darwin e Deus - Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu África

Originário de Cabo Verde, cientista revê pré-história africana

Pesquisador cuja família veio da ex-colônia lusitana mapeou ascensão dos bantos

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Cesar Augusto Fortes-Lima é o nome da fera, senhoras e senhores. É um nome que poderia muito bem ser de um brasileiro, é claro, e passei a encontrá-lo com frequência ao fazer meu acompanhamento de praxe de estudos arqueológicos, em especial os que versam sobre a genômica das antigas populações da África. Finalmente tive a oportunidade de entrevistá-lo como um dos autores de um estudo sobre a grande expansão pré-histórica dos povos bantos no continente africano, remontada graças ao estudo do DNA.

E enfim esclareci o mistério. A família de Fortes-Lima é natural de Cabo Verde, que fez parte do império colonial português na África. Mas ele cresceu na Espanha e hoje é pesquisador na Universidade de Uppsala, na Suécia. Abaixo, apresento a íntegra da entrevista que fiz com ele para a reportagem. Espero tê-lo mais vezes por aqui!

Jovens com peles de animais e escudos de madeira que são vestes tradicionais africanas
Nativos do Zimbábue, falantes de um dos subgrupos dos idiomas bantos, cuja expansão foi mapeada em análise de DNA - Zinyange Auntony/AFP

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Darwin e Deus - As amostras de DNA humano antigo usadas no seu trabalho são relativamente recentes. Qual a chance de indivíduos mais antigos serem incluídos na amostra? Pelo que tenho visto, o clima quente está deixando de ser uma barreira para o estudo do DNA antigo, certo?

Cesar Augusto Fortes-Lima - É sem dúvida possível. O nosso estudo conseguiu obter genomas completos de restos humanos da África que datam de 97 a 688 anos atrás. Estudos futuros também poderão obter dados genômicos de amostras mais antigas relacionadas com populações bantas que foram descobertas em cavernas em África.

Mesmo em regiões quentes é possível encontrar restos humanos em cavernas rochosas que isolam as amostras das altas temperaturas ou das condições ácidas e úmidas dos solos em climas tropicais. Nestas cavernas podem ser encontradas mais respostas sobre a expansão das populações bantas.

Em seu avanço pelo continente, como os bantos interagiram com outros povos? Houve a assimetria típica de outros casos similares, nos quais em geral os homens dos povos que se expandiram incorporam as mulheres dos povos dominados ao seu grupo?

Nosso estudo indica claramente a complexidade do cruzamento das populações Bantu com as populações locais onde se expandiram. Na África Ocidental, o cruzamento ocorreu com populações de caçadores-coletores, enquanto no leste ocorreu principalmente com populações que falavam línguas nilo-saarianas e afro-asiáticas, e no sul com aquelas que falavam khoisan.

Devido a essa complexidade, em algumas regiões de África a assimetria está do lado materno ou do lado paterno, ou não há assimetria. Essa questão deve ser tratada com cuidado porque em alguns grupos o padrão de mistura é diferente, assim como as populações locais com as quais interagem.

Os dados genômicos dão pistas sobre os motivos, como habilidades agrícolas, técnicas ou militares, que permitiram que os bantos se espalhassem por uma área tão grande do continente africano?

Conseguimos estimar como as populações bantas se expandiram inicialmente da região entre a Nigéria e os Camarões para os territórios do leste e do sul do continente africano. Com dados de centenas de populações, reconstruímos as rotas que percorreram até às ondas migratórias que chegaram à África do Sul.

Desde a sua expansão inicial, os seus padrões de diversidade têm diminuído progressivamente até aos extremos da expansão; esses padrões também estão correlacionados com uma diminuição na diversidade linguística das populações mais distantes da África centro-ocidental.

Os povos bantos utilizaram inicialmente técnicas pecuárias e agrícolas avançadas e, posteriormente, o uso de cerâmica e metais. Temos trabalhado em conjunto com arqueólogos, linguistas e geneticistas para melhor compreender as diferentes etapas e percursos dessa importante expansão. Nosso estudo mostra como dados e métodos de diferentes disciplinas podem se complementar para compreender melhor a história das populações humanas.

Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes

Repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros

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