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É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor

Naturismo ganha adeptos e nova energia (também) para trilhas

Pandemia ajudou muita gente a descobrir o prazer de ficar sem roupas

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São Paulo

A primeira experiência 100% natural de cada um de nós é, dããã, o nascimento. Como todos sabemos, ninguém até hoje nasceu de touquinha, cueiros e sapatinhos de tricô. Mas, a partir da primeira fralda, as roupas são parte da identidade para o resto da vida de todos nós, certo? Pois não, não é bem assim.

Para um grupo substancial de habitantes do planeta, a história é um pouco diferente. A prática do naturismo, nome que identifica a prática do ficar sem roupa tanto tempo e em tantos lugares quanto possível, reúne adeptos de todos os perfis e nacionalidades —sim, até no Brasil temos um bom punhado de praticantes mais ou menos ativos. E sabem do que mais? Até boas caminhadas e belas trilhas podem ser feitas sem nada além de um calçado adequado ao terreno que se pretende percorrer. É a prática do naked hiking, ou freehiking, em inglês para dizer basicamente isso: bater perna em pelo, livre, leve e solto.

Praticantes de naturismo fazem trilhas sem roupas
Praticantes de naturismo fazem trilhas sem roupas em área fechada dos arredores de Brasília - Divulgação/Federação Brasileira de Naturismo

Se a imagem pode parecer grotesca para muitos, e pecaminosa para os que veem na nudez a imagem demoníaca do final dos tempos (por favor, não mandem este post para aquela ex-ministra daqui a pouco senadora, combinados?), vale ressaltar antes de mais nada que o naturismo é, em sua essência, uma atividade familiar que segue regras bem definidas e faz questão de deserotizar o corpo, visto como algo natural a ser tão respeitado quanto, digamos, o mico-leão-dourado no seu habitat.

À medida que o mundo flerta com o obscurantismo e as burcas avançam, sempre aparece alguém para preconizar que o naturismo está em extinção. Em um dos principais centros e, dizem, berço da filosofia naturista moderna, a Alemanha, a associação nacional de naturistas, a FKK (sigla em alemão para Freikörperkultur, ou cultura do corpo livre), admitiu que o número de filiados havia caído pela metade desde a década de 1980, tendo atualmente pouco mais de 33 mil associados. Nas 41 associações nacionais oficializadas no mundo não é muito diferente.

Para o presidente da FKK, Christian Utecht, por incrível que pareça, um dos motivos que poderiam explicar o desânimo dos mais jovens com o naturismo seria a própria internet, sim, o grande balaio de nudes de gosto duvidoso. "O problema são os ideais de beleza difundidos pela televisão e pelas redes sociais, essa perfeição do corpo fabricada com Photoshop. Os jovens veem isso e não querem mais tirar a roupa na frente de desconhecidos", disse ele ao repórter da Folha Lucas Neves, em 2019.

De lá para cá, a pandemia de Covid-19, que tirou a todos nós dos eixos, acabou gerando um efeito contrário ao que se via há três anos, levando mais pessoas a aproveitarem as paisagens desertas pelo isolamento social e saírem por aí exibindo não apenas sua nudez, como todos aqueles pães de fermentação natural que aprendemos a fazer em casa e se acumularam pelas curvas de nossos corpinhos. A boa notícia é que isso não faz a menor diferença quando o assunto é naturismo, que tem como cláusula pétrea a aceitação da diversidade de todos os corpos. Banhas, pelancas e celulites, nesse meio, são bem-vindas e aceitas com naturalidade.

Praticantes de naturismo caminham por trilha em Guaratinguetá (SP)
Praticantes de naturismo caminham por trilha em Guaratinguetá (SP) - Divulgação Federação Brasileira de Naturismo

"Não vejo que o naturismo esteja desaparecendo", diz Paula Silveira, 49, presidente da FBrN (Federação Brasileira de Naturismo). "Ao contrário, vemos cada vez mais gente interessada, gente que descobriu o naturismo durante a pandemia, não só lá fora, como no Brasil também", acrescenta.

Ela explica que, no Brasil, é importante estar atento ao fato de que a nudez, em público, é ilegal e que ela só é permitida em locais específicos, fechados ou demarcados. "Lugares com áreas naturais maiores, que são adequados para caminhar, podem ser encontrados no resort Colina do Sol (RS), na Ecovila da Mata (BA) ou, no território Macuxi, na Paraíba, que exige inscrição prévia", explica. Praias como Tambaba, também na Paraíba, e Pinho, em Santa Catarina, também são alternativas, mas suas extensões limitadas, em geral com menos de 1 quilômetro, estão mais para passeio que para trilhas. No site da Federação podem ser encontrados passeios organizados pelas diferentes entidades em vários pontos do país.

Paula Silveira, presidente da Federação Brasileira de Naturismo - Reprodução do Instagram @duartesil

Nos últimos tempos, a praia do Pinho vem protagonizando uma disputa entre os vereadores de Balneário Camboriú, ao qual a área pertence. Eles alegam que a área é utilizada para atividade sexual e que o naturismo deveria ser banido de vez. Para Paula, o problema não é do naturismo, "mas da falta de fiscalização do poder público", algo que a federação reivindica há anos.

"Nós defendemos o respeito em todos os ambientes", garante ela, lembrando que "não é só em locais naturistas que as pessoas praticam sexo em público, mas em todo local onde não há uma fiscalização eficaz, o naturismo não pode ser acusado do que não é sua responsabilidade". A presidente da federação aconselha ainda quem quer se iniciar na caminhada naturista que, para começar, procure os grupos ligados às diversas entidades que uma rápida busca na internet e no próprio site da federação vai revelar, "que frequente encontros e reuniões, naturistas ou têxteis, para conhecer mais do que é essa filosofia, de nossos valores e cuidados". Em tempo: têxteis são chamados os eventos aos quais a pessoa pode comparecer usando suas roupas, sem obrigação de ficar nua.

"Eu gostaria muito que houvesse uma integração maior, que as pessoas se envolvessem muito mais, porque o naturismo não é algo virtual, é presencial, é vivência e convivência", explica ela. E você, caro leitor, se anima a passar o protetor solar, o repelente e sair por aí ao lado dessa turma? Se sim, dê uma espiada no site da FBrN e escolha seu próximo destino. Ah, não se esqueça de levar sua toalha. Mesmo que não seja um mochileiro das galáxias, ela sempre será sua melhor aliada, tanto para evitar ter de sentar diretamente na terra ou na grama, com todos os seus seres desagradáveis e piniquentos, como para assegurar que seu suor não fique impregnado no ponto onde a pele toca o assento.

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