Atentos e preocupados com o que acontece com os yanomami em Roraima, a quase 1.000 quilômetros de distância de São Gabriel da Cachoeira (AM), os yanomami amazonenses se preparam para levar aos irmãos de etnia o know how adquirido na implantação do projeto Yaripo, que há sete anos opera o acesso ao pico da Neblina, ponto mais alto do país, com 2.995 metros de altura, e meta de montanhistas que desejam encarar as dificuldades da Amazônia em seu mais árduo esplendor.
Se nas terras yanomami de Roraima não há pontos icônicos como o pico da Neblina ou mesmo o monte Caburaí (1.465 metros), ponto confirmado como o mais extremo ao norte do Brasil, a 80 quilômetros do monte Roraima, e explorado turisticamente pela etnia ingarikó, a proposta que os irmãos amazonenses pretendem levar é a implantação de um plano de visitação controlada com foco em observação antropológica —quando a visitação é controlada para pequenos grupos, em geral de pesquisa—, trilhas na mata e apoio para recuperação da agricultura familiar na área degradada, algo que eles já fizeram em outros tempos, quando tiveram sua cota de invasão de garimpeiros.
"Estamos muito chocados com o que acontece com os parentes de Roraima", conta José Mário Pereira Gois, 51, presidente da Ayrca (Associação Yanomami do rio Cauaburis e Afluentes), que falou à Folha por WhatsApp. "Nós não podemos abrir espaço aos invasores, porque quando invasores chegam acabam com floresta, água, caça e peixes, e deixam doenças para a população, como ficou claro com nossos irmãos", acrescenta.
Indignado pela falta de atenção e o descalabro que o governo federal deu nos últimos anos aos povos originários, José Mário —que nasceu numa aldeia mas teve oportunidade de estudar e levou a escola de volta para seu povo— conta que é até difícil pensar em dar conselhos aos irmãos de Roraima pelo estado precário em que se encontram. Mas cita o exemplo do bom resultado obtido em sua região com a implantação do projeto Yaripo (montanha de vento, nome original do pico da Neblina), que arrecadou, no ano passado, R$ 211 mil provenientes com apenas as cinco primeiras expedições que seguiram para a montanha, um dos maiores desafios do país pela mistura de rios, lama, altitude, frio, calor e mais uma dúzia de perrengues que a imaginação do leitor puder criar.
Reaberto em março de 2022, o projeto que inclui o acesso ao pico da Neblina, ou Yaripo, como o denominam os yanomami, permitiu, segundo José Mário, "gerar trabalho para os jovens, que foi bem recebido pelos anciões". Vale lembrar que o acesso só é permitido a três agências devidamente cadastradas junto à Ayrca e aos órgãos ambientais, e que todo o apoio e os guias que conduzem os visitantes, em jornadas que vão de sete a dez dias dependendo da imprevisível meteorologia da região, são yanomami.
"Ao longo de sete anos, capacitamos nossos jovens para que executassem o projeto e agora queremos levar esse conhecimento a nossos irmãos, que vão ter de trabalhar muito, mas que podem encontrar no ecoturismo uma solução para resolver os problemas depois de atendida a primeira urgência, que não degrade a floresta nem contamine seu solo e sua água", afirma José Mário.
Os acessos ao pico da Neblina ao Caburaí não são os únicos a explorar o ecoturismo na Amazônia brasileira. No estado de Amazonas, onde o turismo está mais consolidado, várias etnias se organizaram para guiar grupos pelas matas, em jornadas de um a poucos dias, que podem incluir noções de sobrevivência, acampamento na mata e reconhecimento de plantas, além de visita a aldeias e projetos sociais ali implantados, alguns com apoio de entidades internacionais. Soluções que podem promover uma ocupação controlada, rentável e, principalmente, sustentável.
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