É Logo Ali

Para quem gosta de caminhar, trilhar, escalaminhar e bater perna por aí

É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor

ICMBio expulsa coronéis e retoma funções ignoradas no governo Bolsonaro

Criação de novas unidades de conservação e valorização dos servidores são prioridades do presidente Mauro Pires

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Oito meses e meio depois de o governo Lula (PT) começar e mudar toda a política ambiental, destroçada e desmoralizada pelos passadores de boiada da equipe anterior, Mauro Pires, presidente do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) atendeu o blog para uma entrevista.

Ele contou do espanto da nova equipe ao encontrar um ambiente altamente militarizado no instituto, com coronéis da Polícia Militar teoricamente cuidando do que desconheciam e sentados em cima dos processos. " Para que eles foram colocados aqui? Para não fazer nada ou para atrapalhar ou tentar derrubar o que era feito?", questiona ele, que tem a missão de administrar a gestão de 335 UCs (unidades de conservação) que correspondem a cerca de 9% do território brasileiro —e o número, garante, vai aumentar.

.

Por que demorou tanto a escolha do nome para presidir o instituto? O comitê formado para a seleção reuniu ambientalistas, acadêmicos e especialistas na agenda ambiental, todos voluntários. Foram 50 dias, mas eu diria que trataram o tema, até, com muita celeridade, o cronograma foi cumprido e o trabalho, entregue na data combinada para decisão da ministra [do Meio Ambiente] Marina Silva.

O presidente do ICMBio, Mauro Pires
O presidente do ICMBio, Mauro Pires - Rebeca Hoefler/ICMbio

Como foi esse processo? A função era identificar pessoas com potencial para o cargo, e convidá-las a apresentarem suas propostas. Foram uns 16 ou 17 indicados, além de dois ou três que se candidataram espontaneamente. Cada um apresentava sua proposta de gestão, currículo e uma carta de apresentação. Então, foram 50 dias, mas foi um prazo até curto para que essas pessoas elaborassem seus projetos, fossem entrevistadas, enfim, parece que levou muito tempo, mas eu diria que até foi rápido.

Por que acha que o sr. foi escolhido? Sou servidor de carreira do próprio ICMBio desde 2009, quando entrei por concurso público. Mas antes disso já trabalhava na agenda ambiental, no Ministério do Meio Ambiente, desde 1999 e acho que minha trajetória desde então fez diferença.

E como encontrou o instituto? Foi um momento de muita expectativa de que um novo patamar recuperasse o papel dos órgãos (o ICMBio, o Ibama, a Funai) e do próprio ministério, que voltassem a ser reconhecidos. Foram anos de retrocesso, de desacreditação e do que eu diria assédio institucional, com os próprios agentes da política desmoralizando as instituições.

O ICMBio é um órgão bem espalhado pelo país, cuida de 335 unidades de conservação que correspondem a algo próximo de 9% do território brasileiro, quase 77 milhões de hectares. Além disso, inclui 26% da área marinha brasileira. É muita coisa e são territórios com demandas e tipos de unidades os mais variados.

Vista aérea das cataratas do Iguaçu
Vista aérea das cataratas no Parque Nacional do Iguaçu - Divulgação

Nos primeiros meses, havia um clima de tensão, as pessoas estavam tensas, iam ao trabalho preocupadas porque o papel dos servidores nos últimos quatro anos [do governo Jair Bolsonaro (PL)] foi desviado e elas estavam desanimadas, muitos saíram. Daí, a primeira coisa era resgatar e recuperar a autoestima do servidor, dos que fazem o ICMBio no dia a dia.

Como a criação de novas unidades de conservação. Essa foi uma das primeiras frentes, e outra foi justamente retomar processos paralisados. O ICMBio é responsável por apresentar ao governo federal propostas de criação de UCs, faz os estudos e repassa ao governo, indicando quais áreas devem ser transformadas em UCs. Fomos então verificar quais processos estavam paralisados.

E o que encontrou? Nos últimos quatro anos não foi criada nenhuma nova unidade de conservação. Havia em torno de 15 processos que estavam bem próximos da criação, aguardando posição do governo até o final de 2018, mas nenhum havia sido encaminhado desde então. Retomamos a análise e, deles, cinco já foram encaminhados e mais oito estão prontos para ir para avaliação do governo.

As Agulhas Negras, no Parque Nacional do Itatiaia - Daniel Toffoli/Divulgação

Como quais? Temos expectativa, por exemplo de criar três UCs em Roraima, próximas à terra indígena yanomami, que formarão uma espécie de barreira para proteger esse espaço. Estavam prontas para serem implantadas ainda em 2018, mas não foram criadas. Agora já refizemos os estudos, chamamos o governo estadual e os agentes para conversar, esperamos que aconteça proximamente.

Também temos no Pará duas reservas extrativistas que estavam prontas para serem criadas em 2018 e foram paralisadas. Retomamos o contato com as comunidades e o governo do estado e as discussões estão avançando.

Mas há outros processos em que o ICMBio está trabalhando, como análise de planos de manejo, uso público das unidades, regularização fundiária, e para cada um temos prioridades. Além dos processos de compensação ambiental, um instrumento dado pela legislação que permite que UCs sejam beneficiadas no caso de algum empreendimento prever impacto ambiental que não pode ser evitado ou mitigado, por meio do desembolso de recursos para manutenção das demais atividades do instituto na proteção das unidades.

Como funciona essa compensação? Muitas unidades, como um parque nacional ou uma reserva extrativista, exigem que o poder público indenize eventuais entes privados desapropriados, e para isso você precisa de muito dinheiro. Uma das fontes desses recursos é a compensação ambiental.

E quanto já foi contratado de compensação ambiental nesta gestão? Fizemos uns ajustes com a Caixa Econômica Federal e efetivamos R$ 42 milhões. Uma vez que o empreendimento seja obrigado a fazer a compensação ambiental, o dono tem duas opções: ele próprio executar as ações da compensação, ou seja, comprar as terras ou construir um centro de visitantes numa UC. Ou depositar um valor negociado no fundo de compensação administrado pela Caixa.

Quem decide para onde vai o dinheiro? Restabelecemos a Câmara de Compensação, presidida pelo secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, junto com os presidentes do Ibama e do ICMBio. E é essa câmara que dá a destinação dos recursos.

Digamos que a Petrobras vai fazer uma exploração de petróleo mas tem que desembolsar uma compensação. A câmara, então, decide para onde vai esse dinheiro que ela vai recolher. Neste ano, já fizemos duas reuniões das quais já direcionamos R$ 4 milhões, dinheiro novo que entrou para o fundo.

Quais são as demandas mais urgentes para o uso desse fundo? Nos últimos dois anos, a taxa de desmatamento nas UCs da Amazônia mais que dobrou. Então, uma frente de trabalho prioritária era a redução do desmatamento, o que foi mérito do presidente interino do instituto, o Marcelo Marcelino, que tocou isso logo que assumiu em janeiro. Foi intensificada a fiscalização e também a proteção das populações tradicionais, num trabalho com os órgãos de segurança e o Ministério da Justiça, redirecionando recursos para o empoderamento dessas comunidades.

Quantos funcionários tem hoje o instituto? Hoje, em torno de 1.400 servidores permanentes, dos mais de 2.000 que chegamos a ter. O número foi caindo por falta de concursos, só foi feito um no ano passado, que nós estamos aproveitando agora, acabamos de chamar um grupo de 150 novos servidores.

E qual é o orçamento do órgão? Aproximadamente R$ 400 milhões, que foram destinados já durante a transição do governo, um incremento de cerca de 40% em relação ao que tinha sido destinado nos últimos anos. Esse aumento foi muito importante, inclusive, para acelerarmos a formação de equipes de combate a incêndios, os brigadistas.

Esse é um ponto que eu acho fundamental, repare que estamos aqui, no final do mês de agosto, início de setembro, geralmente meses secos e com muita queimada, muito incêndio às vezes de proporções catastróficas, como o de 2019 lá no Pantanal. Só que neste ano, com recursos, a prevenção chegou antes, o dinheiro estava disponível já em janeiro e o Ibama e o ICMBio começaram a fazer o planejamento, a educação ambiental, os aceiros, quando em vez de você esperar que o fogo aconteça, você faz a queima controlada, e temos capacidade de reação e mobilização muito mais rápida das equipes.

O instituto postou no site que vai divulgar o CPF de infratores ambientais. Como isso foi recebido? Esses dados, antigamente, já eram publicados. Mas, com a Lei Geral de Proteção de Dados, houve um entendimento de que não poderiam ser divulgados, tese que acabou vencida juridicamente, prevaleceu o interesse público. A divulgação, pelo ICMBio e pelo Ibama, foi bem recebida, por exemplo, pelos frigoríficos e pela indústria da soja. Eles nos pediram essa divulgação, porque têm o compromisso de não comprar de área embargada. E onde está essa informação? Nos sites do Ibama e do ICMBio.

E agora vamos centralizar todas as informações em uma única lista e estender isso aos estados, para que divulguem os embargos feitos por suas secretarias ambientais. Quem quiser saber de todas as áreas embargadas só vai precisar acessar um único banco de dados, que vai ficar no site do Ibama. Isso só aumenta a transparência e ajuda o produtor. Inclusive o Plano Safra recém divulgado dá um bônus para o produtor que tiver excedente de reserva legal de proteção permanente. Para saber quem tem esse excedente, tem que consultar o cadastro ambiental —e o banco de dados das áreas de embargo.

Desde o início do governo Lula, os gestores dos parques tem sido trocados. Isso foi orientação de cima? O que vimos aqui no ICMBio foi a presença de muitos militares em cargos estratégicos. E não só militares, mas policiais militares. Havia uma diretoria aqui formada só por coronéis da PM de São Paulo. Para que eles foram colocados aqui? Para não fazer nada ou para atrapalhar ou tentar derrubar o que era feito?

Assim, logo que assumimos, por orientação da ministra, começamos a olhar esses casos. Tiramos todos, sobretudo após o 8 de janeiro, pois vimos que a mudança precisava ser rápida uma vez que é difícil você ter uma pessoa contrária ao Estado de direito à frente de um órgão público.

Raio X

Mauro Pires, 53

Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás (UFG), mestre em Sociologia com dissertação sobre Políticas de Ocupação Agrícola no Cerrado e Meio Ambiente. É servidor público federal, de carreira especialista em meio ambiente do ICMBio desde 2009. No Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, trabalhou como diretor do Departamento de Extrativismo, do Departamento de Políticas de Combate ao Desmatamento (DPCD), de programa da Secretaria Executiva e foi chefe de gabinete da Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Desde o início do ano, era secretário-adjunto do Ministério.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.