"Um diagrama é um mapa, uma sobreposição de mapas, e, de um diagrama a outro, novos mapas são traçados, por isso não existe diagrama que não se comporte ao lado dos pontos que conecta, pontos relativamente livres ou desligados, pontos de criatividade, de mutação, de resistência, é deles, talvez, que será preciso partir para compreender o conjunto."
Gilles Deleuze
"aos que não têm mais pátria
seja porque se exilaram
seja porque o país se exilou de nós
e toma a forma dos nossos pesadelos
seja porque na realidade não há países
mas extensões variáveis de terra
que as nuvens sem passaporte
atravessam
resta só a memória do mar
ela diz
batendo inutilmente"
Ana Martins Marques, trecho de "Um café com a medusa"
O que define um começo de ciclo? O que define um começo e ponto? E também qual é o fim que se marca para pontuar o novo? É preciso o fim para começar? Ou será que um começo embala outro que embala outro? Estou há dias pensando no que significa atravessar um dia, um território, uma camada de memória. Uma fronteira. Qual a fronteira que demarca uma terra, um povo, uma diferença e uma igualdade? Qual a fronteira que nos determina, nos desenha, demarca os traços. Políticos, culturais, sociais, emocionais, de guerra e de festa. De refúgio e de abrigo. Aquelas fronteiras que vemos e as invisíveis. Imaginadas e cravadas. Porosas.
"Isolados por oceanos
ou riscando fronteiras entre
tudo que era nosso
e o resto.
nos tornamos maiores
que um continente"
Lubi Prates, do livro "Permanece"
Fronteiras, segundo Deleuze, são locais de mutação e subversão, regidos por princípios de relatividade, multiplicidade, reciprocidade e reversibilidade. Fronteiras são lugares de devir; da coexistência; são lugares de deslizamento. As fronteiras impõem o método das linhas de fuga ou da divergência das formações. O método da fronteira é o da construção cartográfica - construir mapas é se propor ao registro aberto, reversível, arbitrário, múltiplo, político. Dar atenção ao novo, à emergência, à atualidade, ao invés de fixar-se no eterno. Rachar as coisas. É uma arte das superfícies - terra e pele. São lugares de excesso, transbordamento e mutação. São zonas de deslizamentos e de alianças.
São escolhas - ou não. Apreender e deixar para trás. Deslocar-se. Absorver e abdicar. Rasgar o tempo. Se reterritorializar na própria desterritorialização.
Considerando os recentes desenvolvimentos políticos e humanitários, a fronteira e seus efeitos continuam a ser objetos de investigação artística. Inúmeros artistas exploraram as ressonâncias emocionais das fronteiras, os lugares em que uma ontologia – um estado de ser – é trocado, cede ou é assumido por outro. A border-art, criada em meados dos anos 80, também pode se concentrar no entremeio da fronteira, nas sobreposições e nas ambiguidades da identidade. As fronteiras, como zonas de conflito, podem tornar-se, para o artista como manifestante ou ativista, lugares de promoção da paz ou do militarismo. Talvez o poder dos artistas seja uma coisa pequena, inconsequente em comparação com as munições dos militares, mas é poderoso, pois muda a maneira como as pessoas entendem e sentem as situações políticas.
Em um artigo recente, recapitulando o ponto principal de seu livro, "Border as Method, or, the Multiplication of Labor", Sandro Mezzadra (Professor Associado no Departamento de Artes da Universidade de Bolonha) e Brett Neilson (professor no Instituto de Cultura e Sociedade da Western Sydney University) argumentam que o debate contemporâneo sobre fronteiras é infundido com "um senso de ansiedade cartográfica". Para além da óbvia relação entre cartografia e fronteiras, os autores ecoam o pensamento do filósofo francês Etienne Balibar ao apontar para essa relação ansiosa com a linha de fronteira e a instabilidade dos contornos. Os mapas são representações abertas ao pensamento crítico e mutáveis.
SIGA O ENTRETEMPOS NO INSTAGRAM: https://www.instagram.com/entretempos.blog/ <3
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.