Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus CNJ

Julgamento virtual da Lava Jato no CNJ restringe debate público

Barroso não antecipa processo disciplinar; Salomão leva caso ao plenário virtual

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São Paulo

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) deve encerrar nesta sexta-feira (7) o julgamento virtual dos quatro magistrados do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) que atuaram em ações decorrentes da Operação Lava Jato.

A tramitação foi marcada por divergências, sem discussões, entre o relator, Luís Felipe Salomão, que pretendia acelerar o julgamento, e o presidente do CNJ, Luís Roberto Barroso, que resistia às pressões.

A peça-chave é o voto-vista de Barroso, que rejeitou a proposta de Salomão de abrir Processo Administrativo Disciplinar contra a juíza federal Gabriela Hardt, o juiz federal convocado Danilo Pereira Junior e os desembargadores federais Loraci Flores de Lima e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. (*)

Ministros Luís Roberto Barroso, presidente do Conselho Nacional de Justiça, e Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça - Fotos: Jakob Polacsek / Fórum Econômico Mundial e Pedro Ladeira/Folhapress )

Barroso concluiu seu voto resumindo os argumentos que apresentou na sessão anterior: "A banalização de medidas disciplinares drásticas gera receio de represálias, e juízes com medo prestam desserviço à Nação".

Segundo ele, "a responsabilização de juízes pela prática de atos jurisdicionais somente deve ocorrer em hipóteses excepcionalíssimas, quando estejam configuradas graves faltas disciplinares ou inaptidão absoluta para o cargo, sob pena de violação à garantia da independência judicial".

No caso da juíza Gabriela, Barroso foi mais incisivo: "É descabido reenquadrar artificialmente a conduta investigada como infração penal para o fim de elastecer prazo prescricional já consumado".

Há forte componente político no julgamento. O desfecho ocorre no momento em que a Lava Jato sofre seu maior revés, com o recebimento da denúncia contra o ex-juiz Sergio Moro no Supremo Tribunal Federal.

Plenário sem debates

Até as 21h13 desta quinta-feira (6), acompanharam o voto de Salomão os conselheiros João Paulo Santos Schoucair, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, Marcos Vinícius Jardim e Marcello Terto e Silva (os dois últimos, então representantes da OAB, votaram na sua última sessão no colegiado; eram tidos como votos certos do corregedor).

Os conselheiros Pablo Coutinho Barreto, Caputo Bastos e Guilherme Feliciano seguiram o voto divergente de Barroso.

O julgamento será concluído se forem computados pelo menos dez votos e alcançada a maioria simples.

Naquele momento, ainda faltavam votar seis conselheiros.

Os julgamentos do plenário virtual são públicos e podem ser acompanhados pelo site do CNJ. Num caso de grande repercussão, como esse, quando o acesso deveria ser irrestrito, a ausência do debate público priva o meio jurídico de acompanhar as reações no plenário.

Salomão propôs o afastamento cautelar dos quatro magistrados, na véspera da sessão de 16 de abril último [foram revogados os afastamentos de Gabriela e Danilo, e mantidos os de Loraci e Carlos Eduardo].

O tom dos debates na sessão anterior já permitia prever a linha do voto-vista de Barroso.

"A permanência de magistrados com esse histórico fragiliza a imagem da Justiça Federal", disse o corregedor naquela sessão.

A decisão monocrática de Salomão foi "ilegítima, arbitrária e desnecessária", disse Barroso. "Se chancelarmos isso, estaremos cometendo uma injustiça, quando não uma perversidade", afirmou.

"Fizemos uma correição extraordinária a partir de mais de 30 reclamações. Foi uma correição isenta, de forma profunda", disse Salomão.

Quando Barroso começava a contar os votos, Salomão interrompeu. "Vou tazer apenas uma sugestão. Nós poderíamos avançar na abertura do PAD dos [dois] desembargadores. Para eles, a situação é mais gravosa, seria mais interessante, já poderia contar o prazo..."

Barroso afastou a hipótese.

"Trarei meu voto na próxima sessão (21 de maio). Eu quero marcar uma posição. Pode ser até de adesão pela abertura do PAD. Eu não tenho lado, meu lado é o do processo", disse.

Quando Barroso se preparava para proclamar o resultado da votação, Salomão disse que "conversara com Gabriel [juiz Gabriel Matos, que substituía a secretária-geral] para colocar tudo no virtual".

Ou seja, foram levados a julgamento virtual os procedimentos disciplinares trazidos para julgamento conjunto pela Corregedoria Nacional de Justiça na sessão de 16 de abril.

Eis alguns trechos do voto-vista:

- Não há indícios de descumprimento deliberado de decisões da Suprema Corte.

- Não é possível abrir processo administrativo disciplinar, muito menos afastar magistrados pela prática de ato jurisdicional, sem nenhuma evidência de qualquer tipo de vantagem ou comportamento impróprio.

- Não houve imputação de enriquecimento ilícito de nenhum agente público. O que se discute é eventual impropriedade na criação de fundação privada, para atender interesses públicos.

- Não à toa, inicialmente, a Corregedoria do TRF-4 arquivou a representação contra a juíza [Gabriela], por considerar ato jurisdicional a homologação questionada.

- O então Corregedor Nacional, Ministro Humberto Martins, arquivou o procedimento que aqui tramitara, por chegar à mesma conclusão: o ato impugnado tem natureza jurisdicional.

- A então Corregedora Nacional, ministra Maria Thereza de Assis Moura, levou o recurso a julgamento na sessão virtual de 22 de outubro de 2021 e negou-lhe provimento. Outros sete Conselheiros a acompanharam.

- O conselheiro Luiz Fernando Bandeira pediu vista, suspendendo o julgamento e devolvendo os autos no prazo regimental.

- Em 20 de dezembro de 2021, em nova sessão de julgamento virtual, conselheiro que já não integra este Conselho pediu destaque para o Plenário presencial. (...) Cerca de um ano e meio depois, em 21 de setembro de 2023, o conselheiro deixou o CNJ sem apresentar voto. O cenário narrado traz fatos objetivos que não pretendo adjetivar.

- Pretende-se agora enquadrar o caso sob a perspectiva criminal – que não havia sido suscitada antes –, o que teria como consequência elastecer o prazo de prescrição,

- Não se descobriu fato novo entre o relatório preliminar e o final, tanto que este afirma "não inova[r]" em relação àquele. Se não há fatos novos, não haveria razão para novo relatório. Assim, o que se fez foi apenas um reenquadramento jurídico de fatos já apurados.

- Ao decidir litígios, juízes sempre desagradam um dos lados em disputa, às vezes ambos. Para bem aplicar o direito, magistrados devem ter a independência necessária. A banalização de medidas disciplinares drásticas gera receio de represálias, e juízes com medo prestam desserviço à Nação.

(*) Processo nº 0006135-52.2023.2.00.0000

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