Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus CNJ

Confronto no CNJ sobre Lava Jato não reforça a imagem da Justiça

Punir seria perversidade, diz Barroso; não poderia ficar silente, diz Salomão

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São Paulo

O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, assim concluiu nesta terça-feira (16) seu voto pelo afastamento dos juízes Gabriela Hardt e Danilo Pereira Lima, respectivamente ex-titular e o atual da Vara de Curitiba responsável pela Lava Jato, e dos desembargadores Thompson Flores e Loraci Flores de Lima, do TRF-4 :

"A permanência de magistrados com esse histórico fragiliza a imagem da Justiça Federal."

A decisão monocrática de Salomão foi "ilegítima, arbitrária e desnecessária", disse o ministro Roberto Barroso, presidente do CNJ e do STF.

"Se chancelarmos isso, estamos cometendo uma injustiça, quando não uma perversidade", afirmou.

A imagem da Justiça não saiu revigorada com um julgamento em que o defensor dos juízes, advogado Nefi Cordeiro, ministro aposentado do STJ, fez a defesa, por vídeo, no interior de um automóvel.

Bastidores do julgamento sobre a Lava Jato no Conselho Nacional de Justiça
Ministro Luis Roberto Barroso, presidente do CNJ, durante sessão sobre afastamento de magistrados que atuaram na Lava Jato. No destaque, o advogado Nefi Cordeiro, que fez sustentação oral num automóvel - YouTube/CNJ - Divulgação

Cordeiro alegou cerceamento de defesa. Disse não ter conhecimento das provas, e que não teve acesso ao depoimento da magistrada.

"Gabriela Hardt é uma juíza de carreira, corajosa. A homologação ocorreu em 2019. A PGR participou, não foi uma decisão isolada, ela recebeu pedido de prioridade."

Por maioria, 8 votos a 7, o colegiado revogou o afastamento de Hardt e Lima. Também por maioria, manteve o afastamento dos desembargadores do TRF-4 Thompson Flores (ex-presidente do tribunal) e Loraci Flores de Lima.

A decisão monocrática de Salomão de afastar os quatro magistrados foi divulgada pela imprensa na manhã da segunda-feira, véspera da sessão. Os autos da correição (1.160 páginas) foram liberados às 18h. Os relatórios (146 páginas) e os registros audiovisuais (14 depoimentos, com 26 horas) só foram inseridos no sistema do CNJ no dia da sessão.

Barroso disse que não havia "nenhuma urgência que não pudesse aguardar 24 horas para a decisão do plenário".

Salomão tinha pressa, pois sabia que os mandatos dos dois conselheiros indicados pela OAB, Marcos Vinícius Jardim e Marcello Terto e Silva, terminam nesta semana. Jardim e Terto acompanharam integralmente o voto do corregedor.

"O afastamento de juízes com reputação ilibada não me parece uma decisão que faça justiça", disse Barroso.

Sobre a proposta de abertura de processo administrativo disciplinar, Barroso pediu vista. Prometeu trazer seu voto na próxima sessão, em 21 de maio. O caso do senador e ex-juiz Sergio Moro foi desmembrado e será analisado posteriormente.

Barroso antecipou seu voto contra o afastamento dos magistrados.

O desembargador do TJ-SP Marcelo Semer colocou nas redes não ter lembrança de um presidente que se antecipa aos membros do colegiado para votar. "Ele é o último justamente para não ser um instrumento de pressão aos demais."

O raciocínio valeria para a outra parte, pois o corregedor antecipou sua decisão para a mídia, e pode ter influenciado os conselheiros.

Alegações do corregedor

"Fizemos uma correição extraordinária a partir de mais de 30 reclamações. Foi uma correição isenta, de forma profunda", disse Salomão.

O subprocurador-geral da República José Adonis Callou de Sá disse, na sessão, que não viu nos autos "qualquer prova de movimentação de recursos".

"Não vejo motivação suficiente para o afastamento cautelar dos juízes e desembargadores."

Sá considerou "uma ideia ruim, infeliz", o acordo homologado prevendo destinação de recursos públicos para uma fundação privada, gerida pelos procuradores, para combater a corrupção.

"Não foi só uma infeliz iniciativa. É patente que existe desvio de finalidade", contestou Salomão.

"É temerária a homologação de um acordo que envolve R$ 5 bilhões. Não há a menor dúvida sobre a nulidade do acordo, pois as partes não tinham legitimidade", disse.

"Em nenhum momento utilizamos informações da Operação Spoofing" [deflagrada pela Polícia Federal para investigar intercepção de mensagens de autoridades]. Nós ouvimos depoimentos de várias testemunhas", afirmou Salomão.

"Não é porque queremos, é porque temos essa finalidade", disse o corregedor.

Possíveis interesses

O embate entre Salomão e Barroso, magistrados que divergem sem levantar a voz, era previsível.

O corregedor tentou anular as sessões anteriores, quando havia nove votos pelo arquivamento. O açodamento deu margem a interpretações e especulações.

De olho numa vaga no Supremo, Salomão pretenderia mostrar serviço a Lula antes de deixar o CNJ. Repetiria os ex-corregedores Humberto Martins e João Otávio de Noronha, que flertaram com Bolsonaro e deram decisões favoráveis ao ex-capitão, mas não conseguiram a indicação para o STF.

Num raciocínio mais ambicioso, ao fazer graves imputações a um colegiado, o corregedor e os que o apoiam tentariam enterrar o argumento de que o então juiz Sergio Moro não condenou Lula sozinho, pois teve suas decisões confirmadas no TRF-4.

O conselheiro Luiz Fernando Bandeira, que acompanhou integralmente o voto do corregedor, disse que conheceu o caso investigado por Salomão quando foi membro do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).

Disse que Moro era considerado o "juiz universal de Curitiba" e que a Força Tarefa do MPF não passava informações à então PGR, Raquel Dodge.

O procurador da República Celso Tres, que mantinha divergências com a força-tarefa de Curitiba, divulgou, antes do desfecho no CNJ, que não via necessidade do afastamento cautelar dos magistrados. "Tal qual prisão processual de qualquer acusado, afastamento de juiz(a) impregna marca indelével na sua carreira, afetando a credibilidade", afirmou.

"Sigo crendo que presunção de inocência e devido processo legal são coisas sérias, não pro forma", disse Tres.

Por ironia, quando o Supremo devolveu o cargo a magistrados afastados pela então corregedora nacional Eliana Calmon, Salomão era um ferrenho crítico das decisões da ministra aposentada do STJ. Na época, Salomão era muito próximo do então presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), desembargador Nélson Calandra.

Durante a sessão da terça-feira, Barroso leu ofícios enviados pela AMB, Ajufe (reúne juízes federais) e outras entidades da magistratura indignadas com a punição dos magistrados.

Finalmente, há um aspecto mais sensível. Os fatos tratados nessas investigações alcançariam processos em que atuam ou atuaram como advogados parentes de ministros do STF e do STJ.

Ou seja, Salomão estaria duplamente voltado ao Supremo: como virtual aspirante a uma vaga e como interessado em cortejar os ministros do STF.

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