Guia Negro

Afroturismo, cultura negra e movimentos

Guia Negro - Guilherme Soares Dias
Guilherme Soares Dias

Quando os hotéis vão entender que precisam de capacitação para atender pessoas negras?

Há falta de representatividade nos hotéis e a necessidade de treinamentos específicos para a diversidade

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Guilherme Soares Dias
São Paulo

"Numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista". A frase da filósofa norte-americana Angela Davis dá o tom da importância de ter ações pró-diversidade em todos os setores. Mas no turismo, a rede hoteleira parece "tapar os olhos" para o racismo estrutural e pouco faz para qualificar e tornar suas equipes e o funcionamento de seus serviços mais diversos. E, nesse caso, há algo ainda mais grave, pois nem dá para dizer que os hotéis brasileiros não sejam racistas, pois os casos de discriminação racial são frequentes.

O combate ao racismo no Brasil está intimamente ligado ao setor. A Lei Afonso Arinos, de 1951, a primeira que proíbe a discriminação racial no Brasil, foi proposta após um incidente com a bailarina norte-americana Katherine Dunham, que foi impedida de se hospedar num hotel luxuoso de São Paulo por ser negra. De lá pra cá, as leis de combate ao racismo avançaram, assim como os casos de discriminação racial dentro desses espaços que deveriam acolher, mas que acabam reproduzindo o racismo.

É interessante notar, pois há hotéis com bandeiras do arco-íris, indicando serem LGBTfriendly (favoráveis à diversidade de gênero e de orientações sexuais); com a sinalização para pessoas que usam cadeiras de rodas, mostrando que são acessibilidade; e até mesmo com plaquinhas que indicam que são pet friendly (para a hospitalidade de animais de estimação) ; mas não vejo a mesma intenção em ser black fliendly, reconhecendo que passaram por qualificação de seu pessoal e que saberão não apenas como tratar com qualidade seus clientes negros e negras, mas, também, como agir em casos de racismo em suas dependências.

Hotel no Qatar - Reuters

Um argumento frequente dos hotéis para não contratarem consultorias específicas em questões raciais é o de dizerem que tratam todas as pessoas de forma igual. Ao tomarem essa posição, membro do setor estão mostrando que, na real, não querem entender o racismo estrutural e o reproduzem, invisibilizando, assim, toda a desigualdade de padrões e de tratamento dado às pessoas negras. Para mudar esse cenário, as consultorias em diversidade têm sido um caminho necessário. A Diaspora.Black, por exemplo, criou um selo em que certifica espaços que estão preparados para receber uma população diversa. Cerca de 300 estabelecimentos já participaram dos treinamentos que duram até 16h. "O racismo é estrutural e a desconstrução passa por capacitação e mudança de posturas", diz Carlos Humberto Silva, fundador da Diaspora.Black.

O treinamento ofertado passa por gestores e colaboradores e o selo certifica o compromisso daquele hotel com novas abordagens. "Não é um selo ‘eu não sou racista’, é um compromisso", diz, lembrando que a consultoria existe desde 2018 e que o movimento de busca diminuiu na pandemia quando o setor hoteleiro foi diretamente afetado. "Ainda há interesse reduzido, quando pensamos que o turismo é ainda gerido por homens brancos, mais velhos, elitistas e que ainda não se preocupam com o combate ao racismo", considera Carlos Humberto.

A diversidade é ainda um diferencial no mercado e os estabelecimentos que se preparam para receber o público negro têm mais possibilidades de se destacar no mercado. "Quem deixa de olhar para esse grupo, tem um crescimento limitado dentro do mercado de turismo, pois perde 56% da população brasileira", complementa o empresário.

O coletivo de afroturismo, que reúne empresas como Guia Negro, Brafrika, Sou Mais Carioca, TN - Estratégias Operacionais de Turismo e Bitonga Travel, também vem atuando com consultorias e debates sobre mais diversidade no setor. Um dos membros é Hubber Clemente, hoteleiro, membro do coletivo de afroturismo e fundador do Afroturismo Hub. Ele ressalta que atua há 23 anos na área e que até hoje percebe que as pessoas negras não conseguem entrar num hotel com a segurança de que não vão sofrer racismo. "Mesmo assim, ainda vemos negação e omissão do setor em relação ao racismo estrutural e seus efeitos. Não há medidas preventivas e as ações são superficiais", considera, lembrando que as grandes redes parecem acreditar que o racismo estrutural vai ser resolvido organicamente.

Outro ponto destacado é a falta de representatividade nos hotéis e a necessidade de treinamentos específicos para a hotelaria. "Um dos princípios da hotelaria é o bem receber e ser o segundo lar daquela pessoa. Como uma pessoa negra pode se sentir bem se aquele lugar não oferece nenhum tipo de segurança de que não vai ter racismo", questiona ele. E emenda com uma pergunta que deixo para os hotéis refletirem e agirem: "Vão esperar acontecer mais algum caso para tomar alguma atitude?".

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