Morte Sem Tabu

Morte Sem Tabu - Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
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O último adeus: vida, morte e legado emocional

Se você morresse hoje, quais seriam as últimas lembranças que teriam de você?

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um piano sobre folhas

Um seguro de vida emocional que acredita que ter a finitude em mente leva a pensar mais sobre a vida Ivan Kuznetsov

Belo Horizonte


​Não sei por que você se foi. Quanta saudade eu senti. E de tristeza vou viver. Aquele adeus não pude dar. (Edson Trindade)

Se você morresse hoje, quais seriam as últimas lembranças que seus amores teriam de você? Seus filhos ou filhas, seu pai, sua mãe, a esposa, o marido, um companheiro, os melhores amigos. Em que eles pensariam quando quisessem se lembrar de seus últimos momentos juntos?

Nas poucas vezes em que tive razão para temer que nunca mais veria uma pessoa amada viva, tudo que eu pedi a Deus, mesmo que não falasse com ele há tempos, foi a chance de uma despedida. De dizer as últimas palavras, dar o último abraço.

Quem pensa com frequência na própria morte não acha estranho quando alguém cria uma pastinha com senhas de banco e dados para facilitar a vida de quem fica. Há quem admita o pensamento, mas só pensa em se preocupar com isso depois de determinada idade ou em razão de uma doença grave. E há aqueles que pedem para mudar de assunto diante de qualquer tentativa de serem lembrados que o tempo todo morrem pessoas repentinamente, por mais jovens e saudáveis que estejam.

De todo modo, acho possível arriscar que mesmo quem não encara a morte como um tabu toma poucas providências a seu respeito. Dou, sobre isso, o meu depoimento pessoal. Vivo insistindo com meu marido para organizar melhor nossos dados financeiros e quaisquer outras burocracias necessárias para o caso de algo nos acontecer. Mas passa um tempo, eu esqueço, ele esquece e vamos ficando por isso mesmo.

Vez ou outra, penso em escrever algo para minha filha de nove meses ler durante o seu crescimento, caso algo aconteça comigo. Mas a morte, mesmo para quem pensa sempre nela, ainda é vista à distância. Deve dar tempo de um último adeus. A gente sempre pensa que vai ter pelo menos mais dois minutinhos. Não deve ser por acaso que apenas 15% dos brasileiros têm seguro de vida e, mesmo entre as classes A e B, o percentual é de menos de 30%.

Pensei muito sobre isso enquanto conversava com Wladimir Chinchio, sócio, junto a Valdemir Navarro, da Emotion Seguros. A Emotion é uma startup que criou um novo tipo de seguro, o seguro de vida emocional, impulsionada pela ideia de que ter a finitude em mente leva a pensar mais sobre a vida.

Confesso que minha primeira reação à ideia foi de preocupação. O uso de novas tecnologias em assuntos tão sensíveis quase sempre me causa algum desconforto, não porque eu não deseje que elas existam, mas porque sempre me pergunto se é possível manter a humanidade necessária por meio de softwares.

Embora não seja especialista no assunto, pensei muito sobre uma eventual suspensão artificial do luto. Como o seguro emocional opera por meio do armazenamento de mensagens, declarações, histórias e orientações, entregues após a morte do segurado, imaginei que alguém pudesse passar muito tempo em negação do presente, vivendo do passado.

Por outro lado, entendo a ideia de dar ou receber um último abraço de adeus, ainda que os envolvidos nesse abraço o façam em momentos distintos da existência: antes e depois da morte.

Confira minha entrevista com Wladimir Chinchio:

Morte sem Tabu: No material de divulgação de vocês, a Emotion é descrita como uma startup que criou um novo tipo de seguro, o seguro emocional, impulsionada pela ideia de que ter a finitude em mente leva a pensar mais sobre a vida. Fala mais sobre a origem da Emotion.

Wladimir Chinchio: Eu e meu sócio, Waldemir, trabalhamos no mercado de seguros há mais de 25 anos e percebemos que existe uma grande dificuldade de fidelizar os clientes nesse mercado. Os seguros são vistos, muitas vezes, como despesas não desejadas, um serviço cujo valor não é compreendido se o sinistro não acontece. A proposta da Emotion é oferecer um serviço adicional ao seguro de vida, com o qual o usuário possa interagir com frequência, percebendo o seguro como um bem que tem relevância. A ideia é ter um olhar mais acolhedor sobre esse serviço e entregar não apenas um benefício de ordem financeira, mas também um seguro emocional. Esse seguro emocional é construído a partir de um acervo emocional deixado pelo segurado, que é levado a refletir sobre a finitude da vida, celebrar os bons momentos e registrar essas memórias, contando a sua história.

Morte Sem Tabu: Como esse acervo é construído?

Wladimir Chinchio: Existe uma área em ambiente virtual, em que o segurado pode deixar mensagens para os seus entes queridos – cada um deles tem uma "caixa" –, auxiliado por um assistente virtual, o Guido. O Guido propõe temas para auxiliar na jornada da construção desse acervo emocional, como declarações de amor, registros sobre datas importantes e compartilhamento de histórias. Existem, também, as caixas especiais, em que o segurado pode deixar informações financeiras e documentais, facilitando a vida dos beneficiários depois do falecimento. Há, ainda, uma área sobre a jornada do segurado, em que ele tem a oportunidade de fazer um registro biográfico, contar sua história, deixando um legado para os entes queridos. Estamos construindo, neste momento, novas funcionalidades para o registro de testamento particular e de testamento vital.

Todo esse conteúdo será disponibilizado para cada um dos beneficiários. Acionada a seguradora para recebimento de seguro de vida, será entregue, além da importância financeira, o acervo emocional. E existe um cuidado especial na entrega desse acervo: psicólogos da Emotion entrarão em contato com os beneficiários antes do recebimento de caixas físicas, preparando-os para o acesso às mensagens deixadas pelo segurado. Nessas caixas físicas, há uma foto com uma mensagem específica para essa entrega, deixada pelo segurado, e a disponibilização de um login e senha para acesso ao ambiente virtual.

Morte Sem Tabu: Durante a construção desse ambiente virtual, houve o assessoramento por psicólogos?

Wladimir Chinchio: Durante o desenvolvimento, tivemos consultoria com psicólogo, terapeuta, psiquiatra e, ainda hoje, a nossa equipe, inclusive a equipe de atendimento ao cliente, conta com a participação de psicóloga. Há uma preocupação de tratar o tema de maneira leve. Sabemos que existe um tabu para as conversas sobre a morte. Este é um ponto importante: pensar na finitude possibilita que a gente viva melhor. Mas a ideia é de que ter a finitude em mente faça com que se viva melhor, mas de forma leve, sem que a pessoa pense o tempo todo sobre a morte. Que ela sinta prazer em gerar memórias que serão depois compartilhadas com as pessoas de quem ela gosta.

Morte Sem Tabu: Quando falamos sobre novas tecnologias relacionadas ao luto, existe uma preocupação sobre um possível adiamento artificial desse luto ou de um prolongamento indefinido induzido por uma condição externa (ou seja, por razões estranhas às individualidades próprias do luto de cada pessoa). Vocês pensaram sobre isso? Existe um prazo para o acesso ao acervo emocional?

Wladimir Chinchio: A gente diz que pretende dar às pessoas a oportunidade de uma última declaração de amor, de um último beijo. O falecimento repentino gera um vazio, um buraco muito difícil de ser preenchido. O que estamos propondo é entregar a oportunidade do último adeus. Não necessariamente será um último adeus, porque a jornada compartilhada pelo segurado tem o propósito também de compartilhar sua história, de deixar um legado. O apoio técnico que tivemos, com psicólogos, terapeutas foi muito importante sobre esse encerramento do luto sobre o qual você fala. Por isso, o beneficiário tem um tempo para visualizar o acervo e depois ele pode baixar um arquivo, que pode ser revisitado sempre que desejar.

Morte Sem Tabu: Você construiu o seu acervo emocional? E conversou com seus beneficiários a respeito dele?

Wladimir Chinchio: Eu trabalho com seguros há bastante tempo, então sei da importância de dar publicidade à família sobre seguros de vida. Existem benefícios que não são entregues aos beneficiários, porque as seguradoras não são sequer informadas sobre o óbito. Na nossa seguradora, buscamos o segurado quando ele passa um tempo sem dar notícias, para que possamos ter uma espécie de prova de vida e garantir que o benefício seja entregue aos beneficiários.

Portanto, minha esposa e minhas filhas têm e sabem de suas caixas. A minha esposa até brincou uma vez que todos os exemplos que dou são sobre as minhas duas filhas, com quem também converso sobre o assunto. A mensagem que queremos deixar é de que podemos viver melhor quando conversamos sobre a morte e conseguimos, que, afinal, é a única certeza que nós temos.

Cynthia Pereira de Araújo

Doutora em Direito pela PUC-Minas, com doutorado-sanduíche pela Universidade de Vechta/Alemanha (bolsista Capes-Daad). Autora da obra "Existe Direito à Esperança? Saúde no Contexto do Câncer e Fim de Vida". Advogada da União.

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