Morte Sem Tabu

Morte Sem Tabu - Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Descrição de chapéu Mente

Clarissa Pinheiro: Perder um amor me fez desacelerar

Atriz fala sobre efemeridade da vida, novos projetos e 'Mar do Sertão'

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Foi bem difícil viver essa experiência. Mas também, estranhamente, encontrei uma força que nem sabia que existia dentro da gente. Sempre que me falavam da morte de alguém, eu pensava que se fosse com alguém próximo a mim eu não ia aguentar.

Mas aguenta. A gente ressignifica a vida, desenvolve novas rotinas e segue em frente. Justamente porque percebemos no corpo que a vida é efêmera.

Clarissa Pinheiro

Atriz Clarissa Pinheiro, em foto de ensaio, veste roupa azul e sorri
Atriz Clarissa Pinheiro - Aralume Fotografia

A primeira vez que vi a atriz pernambucana Clarissa Pinheiro na televisão foi na série da Globo Justiça. Ela fez par com Enrique Diaz, que eu já conhecia e de quem sou uma grande fã.

Um tempo depois, eles estavam mais uma vez na mesma série, desta vez Onde nascem os fortes, também da Globo, uma das melhores obras brasileiras a que já assisti.

A Gilvânia, personagem da Clarissa, dava uma leveza à trama pesada e eu aguardava ansiosamente por cada aparição dela.

Um belo dia, em maio de 2018, assisti ao vivo a uma cena em que ela contracenava com o Alexandre Nero, o "seu Pedro". Ri tanto da espontaneidade deles – ela orientando que ele não tentasse passar por um lugar estreito, porque ia entalar, e ele reagindo indignado – que fiquei na dúvida se estava mesmo no roteiro, ou foi um improviso na hora. Queria rever e mostrar ao meu marido.

Esperei o capítulo entrar no Globoplay, mas a cena tinha sumido. Tentei o SAC, mas não tive sucesso.

Já acompanhava a Clarissa nas redes sociais e não me contive. Enviei a primeira das muitas mensagens que enviaria elogiando seus trabalhos desde então. Ela, sempre muito querida e generosa, respondeu que realmente tinha gravado a cena, mas que não sabia se tinha ido ao ar.

Desde que comecei a escrever no Morte sem Tabu, penso em convidar essa, que é uma das grandes atrizes da sua geração, para uma entrevista. Depois de saber do seu luto por um grande amor na juventude, não tive mais dúvidas.

Com vocês, esta mulher incrível, Clarissa Pinheiro:

MORTE SEM TABU: Recentemente, você falou sobre o seu luto após a perda de um grande amor. Eu costumo dizer que, embora saibamos que pessoas morrem todos os dias, muitas delas repentinamente, ninguém se prepara para não ter uma chance de despedida. Como foi viver essa perda tão inesperada?

CLARISSA PINHEIRO: É como você falou, embora a gente saiba que pessoas morrem todos os dias e que todos nós, um dia, iremos partir, é só quando a gente vivencia essa experiência de perda que percebemos quão efêmera é a vida.

Num dia você tem a sua rotina com aquela pessoa, as coisas que pretendem fazer durante a semana, os projetos pra vida e, no outro, todos aqueles planos e sonhos com a outra pessoa são abruptamente arrancados de você. No outro dia, você precisa seguir com sua vida, mas sem a presença daquele que fazia parte do seu futuro, daqueles planos.

O vazio é gigante.

Os dias vão passando e agora você olha pra vida com um outro olhar. A finitude, a efemeridade. A dor de não ter mais a possibilidade de convívio com aquela pessoa.

De uma forma estranha, eu desacelerei. Fui vivendo um dia de cada vez. Eu observava, eu percebia a vida, me dando conta da minha existência, da nossa existência nesse mundo.

Foi bem difícil viver essa experiência. Mas também, estranhamente, encontrei uma força que nem sabia que existia dentro da gente. Sempre que me falavam da morte de alguém, eu pensava que se fosse com alguém próximo a mim eu não ia aguentar.

Mas aguenta. A gente ressignifica a vida, desenvolve novas rotinas e segue em frente. Justamente porque percebemos no corpo que a vida é efêmera.

MORTE SEM TABU: Como esse luto interferiu na sua trajetória profissional?

CLARISSA PINHEIRO: Quando o Luís morreu, eu já era formada em jornalismo, trabalhava com edição de vídeo, mas já vinha estudando paralelamente Administração, pensando em tentar concurso público em busca de uma estabilidade financeira.

Depois dessa perda inesperada eu fiquei muito deprimida. Acho que, mais ou menos, um ano depois, meu pai recebeu uma proposta de trabalho para morar no Rio de Janeiro. A princípio eu nem me animei de ir, ainda estava sem motivação, baixo-astral. Mas um amigo me convenceu, falou do Rio de Janeiro de um jeito tão possível de viver coisas novas, que aquilo me animou. E assim que cheguei aqui, me matriculei na Escola de Cinema Darcy Ribeiro e na Escola Nacional de Circo, porque eu já vinha fazendo tecido acrobático em Recife. E isso me colocou em contato direto e profundo com a arte. A arte cinematográfica e a arte do corpo. Os primeiros anos no Rio de Janeiro foram de um mergulho na artista que existia em mim que eu nem sequer conhecia.

Foi estudando direção, na Darcy, que eu encontrei a atriz. Um amigo de turma, por alguma razão, apostava na minha arte de interpretar e começou a me chamar pra atuar nos exercícios de curta metragem dele. E experimentando o atuar, conheci o diretor Fellipe Barbosa, que foi meu professor. Calhou dele lembrar de mim, algum tempo depois, pra participar do teste de elenco do filme que ele ia dirigir. E eu passei.

Nesse tempo, eu já havia decidido investir na carreira de atriz e estudava teatro. E tive essa grande oportunidade de assinar meu primeiro trabalho profissional como atriz, no filme Casa Grande, do Fellipe Barbosa, o professor da Darcy Ribeiro. E Casa Grande foi um filme que deu muito certo e, sem que eu pudesse imaginar, me deu o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante de Paulínia, no ano de 2014.

Aí depois disso as coisas foram acontecendo, portas se abrindo. Mas quando eu fui lá prestar o vestibular pra Jornalismo, no alto dos meus 17 anos, eu jamais poderia imaginar que, só aos 28 anos, eu encontraria o trabalho que realmente me faz feliz.

MORTE SEM TABU: Em um episódio do programa Que história é essa, Porchat?, você falou do período em que morou em Vancouver, no Canadá, uma cidade que sempre foi considerada muito segura, depois de morar anos em uma das cidades mais violentas do Brasil, Recife. Mas foi no Canadá que você acabou sendo assaltada e, ao contrário do que a gente costuma imaginar, não teve uma experiência boa com a polícia. Depois você foi morar em outra cidade complicada, que é o Rio de Janeiro. Como é a
sua relação com a violência? Você se considera uma pessoa medrosa?

CLARISSA PINHEIRO: Olha, eu não me considero uma pessoa medrosa. Eu me considero uma pessoa cautelosa, atenta aos movimentos na rua, que procura não dar vacilo. Isso eu aprendi em Recife, uma cidade com uma alta taxa de criminalidade. Quando eu fui para o Canadá, considerado um dos países mais seguros de se viver, eu relaxei. E naquele cenário de casinhas todas arrumadas eu nem me dei conta de que tinha alugado um quarto em um dos bairros mais perigosos de Vancouver.

Me lasquei. Mas tudo a gente leva de aprendizado, né? Talvez isso já fosse um exercício para o futuro que me aguardava aqui no Rio de Janeiro.

Mas a violência, se você for parar pra pensar, está em todos os lugares do mundo. Alguns mais, outros menos. É preciso andar atento e se precaver de todas as formas. Infelizmente esse é o mundo em que a gente vive.

MORTE SEM TABU: Seu papel como Penha, na novela Amor de mãe, teve muito destaque. Como foi interpretar uma personagem que tem a vida transformada, acaba virando uma rainha do crime e matando o ex parceiro?

CLARISSA PINHEIRO: É engraçado porque a Penha, mesmo tendo cometido vários crimes, tinha a empatia do público. Ela foi uma espécie de anti-heroína na trama. E foi muito legal poder dar vida a uma personagem com aquela trajetória.

Do coração partido ao mundo do crime.

Penha me fez percorrer por diversas emoções: submissão, traição, abandono, luto, vingança, paixão, ganância, poder, medo, amor, envolvimento homossexual, plenitude. Foi uma jornada linda de se percorrer. Acho que da mesma forma que eu, enquanto atriz, criei empatia por cada etapa vivida pela personagem, o público também foi se envolvendo naquele novelo de sentimentos que foi a vida da Penha na novela. Eu sou apaixonada por essa mulher.

Os atores e atrizes Enrique Diaz, Sara Vidal, Clarissa Pinheiro e Miguel Venerabile caracterizados como seus personagens da novela Mar do Sertão
Clarissa Pinheiro como Tereza, em foto com os atores Enrique Diaz e Miguel Venerabile e a atriz Sara Vidal, da novela Mar do Sertão - Arquivo pessoal


MORTE SEM TABU: Atualmente, você está no ar na novela das 18h Globo, "Mar do Sertão", que termina esta semana. Muitos episódios da Tereza ganharam o coração do público, especialmente quando a fome foi abordada. Como eram os sentimentos da Clarissa nas gravações dessas cenas que representam um Brasil tão real, tão atual?

CLARISSA PINHEIRO: As cenas escritas pelo Mário Teixeira e toda sua equipe tocam em questões tão profundas, que vão na ferida do nosso país, e sem agressividade, sem apontar o dedo, é com o exemplo. O exemplo dado por Tereza e sua família, com gestos grandiosos como dividir um prato de sopa com quem precisa. O coração da Tereza é tão grande, tão generoso e justo, que emociona a gente. Porque estamos carentes de gestos assim, porque o egocentrismo, a ganância, a falta de preocupação com o próximo nos fazem, por vezes, pensar que a nossa humanidade está perdida.

Mas não está. Existem muitas Terezas e Timbós por aí, e que a gente se inspire cada vez mais neles.

MORTE SEM TABU: Quando eu soube que você seria a esposa do Timbó, do Enrique Diaz, eu fiquei super emocionada. "Bom demais para ser verdade vocês dois juntos novamente" foi a mensagem que eu te mandei. Como é contracenar com esse ator tão querido?

CLARISSA PINHEIRO: A primeira vez que eu contracenei com o Kike foi no teste de elenco que eu fiz pra interpretar a Irene, da série Justiça.

Fora o nervosismo do teste em si, ainda tinha o fato de ser com esse ator potente que sempre admirei. Mas tudo fluiu muito bem, daquele primeiro encontro até hoje, porque o Kike é um parceiro de trabalho especial. Generoso, divertido, inteligente, cheio das ideias. Nosso reencontro em "Mar do Sertão" foi um presente. E acho que essa sintonia atravessou nossas personagens e fez com que Tereza e Timbó se tornassem esse casal tão querido.

MORTE SEM TABU: Você ficou muito emocionada com o capítulo recente da novela, em que Tereza passa por um dia de princesa e, ao se admirar no espelho,
diz: "eu sou bonita". Eu também fiquei emocionada. O que você acha
que essa cena diz especialmente para mulheres com vidas muito difíceis
e que tantas vezes não conseguem sequer descobrir a própria beleza?

CLARISSA PINHEIRO: Eu acho que a cena fala de tantas coisas…

Quando li pela primeira vez, eu me conectei com algum sentimento meu passado desse mesmo estado de surpresa ao me olhar com outros olhos. E isso me emocionou muito. Terminei a leitura em lágrimas.

Pensei sobre o quanto aquela mudança de prisma tinha me trazido um profundo bem estar. E imediatamente me coloquei no lugar da Tereza, essa mulher castigada pelo sol, pela vida, pela falta de oportunidades, pela falta de tempo para pensar em si própria.

Agora ali, se vendo naquele espelho, observando aquele corpo, aquele rosto, gostando do que vê, se descobrindo para além de suas obrigações com a casa, filhos, marido... finalmente se percebendo mulher. É emocionante demais.

Se reconhecer bonita. Isso é muito potente.

A atriz Clarissa Pinheiro veste um roupão branco e usa maquiagem, caracterizada para a personagem Tereza de Mar do Sertão
Clarissa Pinheiro como Tereza, em Mar do Sertão, no seu dia de spa - Arquivo pessoal

MORTE SEM TABU: Quais seus próximos projetos? Você estará na próxima
temporada de Justiça?

CLARISSA PINHEIRO: Estou me dedicando a outros projetos, no segundo semestre deste ano deve ser lançado um filme, com nome provisório ainda de Sereias, que eu gravei ano passado. Um filme feito predominantemente por mulheres, com duas diretoras incríveis, a Valentina Homem e a Fernanda Bond, e que eu estou louca pra ver como ficou! Estou também em outros dois longas, em finalização.

Também quero muito voltar em cartaz com a peça Isso que você chama de lugar, que estreou em 2019, na Casa de Cultura Laura Alvim, com direção do Daniel Herz e um elenco maravilhoso. O espetáculo conta quatro histórias paralelas de pessoas que vivem momentos cruciais de decisão e se encontram no palco, mas não na vida. É uma linguagem teatral bem interessante.

Tenho um outro trabalho em vista, além destes, mas que por enquanto não posso falar. Sobre Justiça 2, adoraria, mas não estou no elenco. Amo o trabalho da Manuela Dias, mas sei que tem que dar espaço para novas histórias, com novos personagens. Não tenho dúvidas de que a série vai ser tão boa quanto Justiça 1. Só tem gente fera.

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