Morte Sem Tabu

Morte Sem Tabu - Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Descrição de chapéu Mente

Não omitir, nem exceder: a divulgação de violência em escolas

É possível acolher o desejo por informação e o luto, com responsabilidade

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Era um texto sobre os 3 anos da pandemia. Sobre um vírus que já mudou tanto e matou tanta gente. Que segue matando, mesmo que a gente não aguente mais pensar nisso.

Mas escrever sobre morte é nunca estar em dia com as pautas. A realidade nos atropela diariamente e hoje ela foi especialmente cruel.

Eu já falei e escrevi tantas vezes que pessoas morrem de repente, sem aviso, sem chance de despedida... Mas acho que a gente guarda uma reserva mental para as crianças. Crianças não podem ser mortas.

Mas morreram. Violentamente. Dentro do local que deveria representar segurança e acolhimento.

Ninguém se prepara para ler essa notícia logo cedo no jornal. É difícil transformar perplexidade e dor em palavras. Tudo soa vazio.

Discutimos, então, de que forma deveríamos noticiar as notícias indizíveis.

A forma como a mídia repercute ataques como o ocorrido hoje em Blumenau é objeto de estudos científicos e diretrizes de empresas de comunicação. O papel da imprensa, nesses casos, é muito mais do que informar. Existe uma responsabilidade enorme para não incentivar comportamentos semelhantes que acabem em novas tragédias.

Algumas premissas devem ser seguidas*: não dar visibilidade aos autores dos crimes, não compartilhar suas fotos ou pensamentos, nem mesmo informar seus nomes. Quanto menos detalhes sobre supostas intenções ou ideias, melhor. Nunca podemos dar detalhes sobre o modo como o agressor ou a agressora agiu, nem descrever o passo a passo ou meios utilizados na ação.

Acima de tudo, ações de pessoas que praticam atos como matar crianças em escolas devem ser vistas como absolutamente reprováveis, sem abertura para qualquer justificativa ou reconhecimento.

Outras estratégias para a adequada cobertura midiática de ataques violentos, atos terroristas ou semelhantes são reduzir o tempo de cobertura dos ocorridos e limitar chamadas ao vivo. Devemos evitar palavras como "massacre", "tragédia", "desespero", preferindo títulos como "ataque deixa feridos ou mortos (sem indicar o número)". Também é indicado fechar a opção de comentários dos leitores em matérias a respeito. Sabemos que há curiosidade sobre o assunto e muitas pessoas dispostas a consumir todo conteúdo que aparecer sobre o caso.

Aliás, é importante lembrar que todos nós somos potenciais produtores de conteúdo. Se você tem rede social e compartilha informações, também deve se preocupar em criar ambientes responsáveis de divulgação.

Eu tenho grandes dúvidas sobre a cobertura dos ocorridos do ponto de vista das vítimas. É importante pensar em como dar a elas a dignidade e a sensibilidade que merecem, da forma mais respeitosa possível. Devemos refletir sempre sobre quais são os limites entre jornalismo de qualidade e humanização das dores, de um lado, e sensacionalismo e excesso, de outro.

Também costumo me perguntar sobre como fazer o melhor jornalismo possível quando mal conseguimos elaborar que existe quem não entenda que crianças não devem ser mortas; quando o que queremos é apenas gritar para que parem de matar nossas crianças.

Netas, sobrinhas e primas, a filha de alguém. A filha única de alguém. Poderia ser a minha.

Morremos um pouco com as mães e os pais das crianças mortas, feridas, violentadas. Morremos ainda mais depois que nos tornamos nós mesmas mães.

Ainda que nos falte a melhor forma de dizer, queremos garantir que sempre haja palavras e pessoas dispostas a acolher os lutos; queremos lembrar que, por mais insuportável e desmedida que seja a dor, ainda estaremos aqui para a acolher.

*O Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio está elaborando uma Cartilha com Diretrizes para Mídia sobre ataques violentos, que compartilharemos em breve.

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