Morte Sem Tabu

Morte Sem Tabu - Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Descrição de chapéu Mente críticas de filmes

Nunca fui de chorar em filmes, até passar por um luto

O que antes era frieza e distanciamento, hoje se transformou em empatia

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Ana Paula Alcântara

Sempre fui cinéfila. Nos anos 1990, passava horas em locadoras de vídeo. Assistia a tudo: comédia, drama, terror, e séries como Arquivo X até Todo Mundo Odeia o Chris. Eu sempre gostei de tudo, mas para tudo sempre teve, e tem, um motivo.

Na época, lia as críticas publicadas nos jornais e nas revistas e fui assinante da saudosa Revista SET. A primeira revista que comprei custava aproximadamente CR $2.700 - cruzeiros reais, que seria o equivalente a R$ 1 nos dias de hoje. Recortava cartazes de filmes das revistas e jornais e organizava as capas como se fossem figurinhas de um álbum. Era uma forma de manter meu arquivo atualizado, numa era pré-internet. Não perdia nada, tudo que caía na minha mão eu via, dos blockbusters aos filmes de arte bem alternativos.

Decidi cursar jornalismo por isso, meu sonho sempre foi ser crítica de cinema. Aliás, meu TCC foi um livro-reportagem com perfis de jornalistas que cobriam cinema. Entrevistei alguns profissionais que admirava como críticos de cinema , como o saudoso Christian Petermann (1966-2016). Ao entrevistá-lo, em 2011 ao lado da minha colega de faculdade Sabrina Zambello, descobri que ele era trekker assim como eu (trekker são fãs da série Star Trek). Foi um encontro especial que o jornalismo me proporcionou.

O gosto pelo cinema me ajudou a criar conexões, amigos e sempre me confortou nas minhas crises.

Hoje sou a social media do Blog Morte sem Tabu e procuro indicar séries e filmes que abordam a morte, o luto e outras questões relacionadas à finitude. O primeiro filme que veio à minha cabeça quando comecei a pesquisar o assunto foi Lado a Lado (1998). Não podia ser outro.

O filme tem o título original: Stepmon, (Madrasta), mas é um caso onde a versão brasileira não fere ou desonra o original como é bem comum nas traduções de títulos de séries e filmes. Lado a Lado mostra a relação de uma mulher que está no final da vida com a nova esposa do pai de seus filhos.

O filme com Susan Sarandon e Julia Roberts traz lembranças pessoais e vivências bem reais para mim. A protagonista morre de câncer e deixa dois filhos, assim como minha mãe, que faleceu em 2001 e deixou três filhos. Eu tinha 22 anos na época. No final deste ano, vai fazer exatamente 22 anos que ela se foi. Ou seja, metade da minha vida eu vivi sem ela presente. Minha mãe teve câncer de mama, fez quimioterapia e radioterapia, mas veio a metástase e ela faleceu em novembro de 2001, aos 46 anos.

Quando vi o Lado a Lado pela primeira vez, a experiência foi normal, sem sentimentos profundos pela obra. Mas revi alguns anos depois que minha mãe faleceu e aí me emocionei como se tivesse visto pela primeira vez. Chorei muito, me comovi com a trilha sonora, com os diálogos dos filhos, enfim foi uma experiência sensorial intensa, um mergulho.

Eu nunca fui de chorar em filmes, nem em novelas, por mais emocionante que a história fosse.

Quando assisti ao filme O amor não tira férias (2006), me identifiquei muito com a personagem da atriz Cameron Diaz. Amanda, é incapaz de chorar, nada emotiva, bem racional. Eu era assim, mas não sou mais. Hoje eu me permito mergulhar nas histórias e aprender com elas, o que antes era frieza e distanciamento hoje se transformou em empatia.

O meu olhar mudou. O luto me modificou, transformou o modo como eu vejo e pratico o ato de experimentar filmes, séries, músicas ou livros. Não que antes eu via de forma superficial, só era diferente, era mais leve e agora é mais visceral. Eu vejo como uma evolução, um novo estágio. Eu continuo vendo de tudo, mas agora eu me tornei mais sensível. Choro de verdade mesmo, seja em This is Us ou vendo Coco, da Pixar. Coco é uma obra prima pra mim, a forma como trata a memória e os laços com os ancestrais me tocou profundamente. Não vou dar spoiler aqui, mas amadureci com as mensagens do filme. Chorei demais com Procurando Nemo, por exemplo. um filme muito triste mesmo e muito longe de ser apenas um desenho animado infantil.

Toda semana, eu seleciono um filme para o perfil do instagram do blog e, sempre é um ritual pra mim. Eu penso, reflito, revejo o filme e choro de novo, porque é impossível ser insensível quando vamos falar de Marley & Eu ou do clássico Meu Primeiro Amor, por exemplo.

Eu sou grata quando vejo comentários nas publicações elogiando as sugestões que dividimos com os seguidores. O feedback nos motiva a estudar mais o assunto e compartilhar nossas experiências como faço aqui neste texto.

E desabafar essas emoções é bom.

Nunca vi como algo ruim, pois não me provoca sofrimento, tristeza, melancolia. Eu vejo e sinto como um acolhimento do meu luto. Quando assisti ao dorama (doramas são séries produzidas no Sudeste Asiático, usam-se também o termo kdrama quando a origem é coreana, jdrama quando a origem é japonesa e cdrama quando a produção é chinesa) sul coreano Move to Heaven da Netflix, que também foi sugerido nas redes do Blog, eu amei, fiquei apaixonada pela produção. Recomendei para alguns amigos próximos, pois eu fiquei bem realizada. "Não é morbidez como diria a Camila Appel", é arte, é uma forma de expressão que me traz paz ao assistir, enfim não sei traduzir na íntegra o que senti, mas foi muito bom, foi perfeito. A sensação que tive foi algo que eu busco quando reservo um tempo para ler, ouvir música e resenhas.

Dar esse depoimento me ajudou demais a refletir sobre o meu luto. Eu vejo, cada dia que vivo depois da partida da minha mãe, como um dia para amadurecer. Todo dia é um desafio, não é fácil. Quem vivencia a despedida, e fica, é atingido de formas diferentes. Cada membro da minha família reagiu de uma forma diferente. Eu mudei, mudei muitas vezes por dentro e por fora, mudei meu olhar, meu lugar, meu espaço no mundo e nessas reflexões eu me vejo e percebo emoções, dificuldades e encontro formas de suportar a minha saudade. O meu luto é assim, ele tem fases. Fases pesadas, Ainda. Real e presente, permanente.

O luto me amadureceu demais, me fez adulta. Foi como se o cordão umbilical tivesse sido cortado de novo, com direito a muito choro, me fazendo reaprender a chorar realmente. Tudo que antes estava guardado, bloqueado, transbordou. Foi um renascimento.

Ana Paula Alcântara alimenta as redes sociais do blog Morte sem Tabu com informações relevantes sobre os temas abordados no blog, e sua área de maior interesse: cinema. @mortesemtabu_

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Vou compartilhar aqui algumas dicas de filmes bem emocionantes!

O Rei Leão, 1994

A animação da Disney é uma ótima dica para as crianças refletirem sobre a morte.

Lado a Lado, 1998

O filme de Chris Columbus é um drama familiar bastante sensível.

UP, 2009

A animação nos mostra como cada momento da vida é único e importante para a nossa trajetória.

Para Sempre Alice, 2014

Julianne Moore ganhou mais de 30 prêmios pela atuação de uma renomada acadêmica que sofre de Alzheimer.

The Normal Heart, 2014

A direção é do cineasta e produtor Ryan Murphy e o roteiro é uma adaptação para o cinema de uma peça escrita por Larry Kramer.

Capitão Fantástico, 2016

Viggo Mortensen interpreta um pai que cria seus 6 filhos de maneira excêntrica longe da civilização.

Como eu era antes de você, 2016

O romance é um drama sensível que aborda as questões sobre o suicídio assistido.

Coco, a vida é uma festa, 2018

A animação da Disney é um dos melhores filmes do estúdio, ganhador de 2 Oscars.

Dor e Glória, 2019

O filme do aclamado diretor espanhol Pedro Almodóvar é um drama bastante pessoal.

Pieces of a woman, 2020

Baseado numa experiência real da roteirista Kata Weber casada com o diretor do filme Kornél Mundruczó.

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