A última terça-feira foi um dia atípico em São Paulo. Um calor intenso, que não lembra o clima da cidade.
Ali no centro, três mulheres se reuniam pessoalmente pela primeira vez para conversar em um encontro aberto ao público: nós, as autoras do Morte sem Tabu.
Estava, também, a escritora querida Mariana Carrara, de quem já falamos aqui no blog. Uma autora contemporânea que escreve ficção com a morte como pano de fundo.
Mariana fez o texto de apresentação do livro "A vida afinal: conversas difíceis demais para se ter em voz alta", da Editora Paraquedas. Foi para o seu lançamento que nos reunimos na Livraria Megafauna, em um dos símbolos paulistanos, o Edifício Copan.
Falamos sobre não nos ser garantido o próximo dia, mesmo quando estamos jovens e saudáveis. E sobre a dificuldade de encarar doenças graves, nossas e das pessoas que amamos. Refletimos juntas sobre a importância da comunicação médico-paciente para que decisões a respeito de tratamentos médicos sejam tomadas. O assunto permeia dignidade e autonomia. Fim de vida, morte. E vida.
Discutimos um dos temas caros ao livro: privilégio, que dá nome a um dos capítulos.
Cada vez que falo ou escrevo sobre a importância de ter a morte no horizonte, penso em quanto isso serve apenas para quem não tem que se preocupar hoje se terá o que comer amanhã. Para quem tem onde dormir. Para quem tem até onde morrer. Para quem já não vive, diariamente, à sombra da morte.
Esse foi o momento que mais tocou o Fininho, amigo antigo do Morte sem Tabu e pioneiro nas discussões sobre finitude, a partir de seus estudos em filosofia e o trabalho como sepultador. "Privilégio branco de viver bem e morrer da mesma forma. Morrer bem. Dentro do hospital, escolher até música pra morrer. É disso que a gente tá falando. De quem não sabe o que é comer só angu e beber água. Levantar cedo, trabalhar na canela".
A editora da Paraquedas Tainã Bispo destacou outro título do livro, "Coragem". Para ela, "conversar sobre a morte é um ato de coragem. E também uma forma de celebrar a vida de forma digna e respeitosa conosco e com o outro. Assim foi o lançamento de 'A vida afinal'. As quatro conversadeiras transformaram a morte num papo delicado e cheio de fé na vida". Ela desejou "que esse tema encontre morada em todos nós".
Foi a primeira vez que pudemos abraçar muitas das pessoas que acompanham nossos textos; algumas que já entrevistamos à distância. Um de nossos leitores, o criador do projeto "O que te assombra?", Thiago de Souza, disse que é difícil falar sobre a conversa que presenciou entre nós: "esse materializar da compreensão do instante que é a nossa existência, o primeiro passo para aceitar todo o resto - falar sobre doença, cuidados paliativos, morte".
O músico Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura e criador do Movimento Mãetricia - que tem por objetivo a maior conscientização sobre fim de vida e morte digna, criado em homenagem a sua esposa, Patricia Perissinotto Kisser - também prestigiou nosso encontro. Ele disse que o Morte sem Tabu foi um dos primeiros veículos que conheceu depois da morte da Patricia, no ano passado. "A Camila Appel foi fundamental para que eu conhecesse a Luciana Dadalto e a Comunidade Compassiva, projeto do Professor Alexandre Silva. E o livro da Cynthia é sensacional, é um livro que fala de uma maneira leve, de uma maneira respeitosa, amorosa e com muito carinho de temas muito difíceis. E é isso que o Movimento Mãetricia também procura, essa maneira de comunicação pela qual a gente possa incentivar o assunto morte, para que a gente fale de uma forma mais leve com a família, com os amigos. Acho que o livro é um caminho fantástico, principalmente para as pessoas que ainda têm medo ou preconceito. Eu recomendo demais, estou curtindo muito a leitura. E me sinto muito honrado por fazer parte disso também, acho que o Movimento Mãetricia está aqui para unificar todas essas frentes que falam do assunto, para que a gente possa estimular um debate em sociedade e amenizar esse processo que é tão dolorido".
O Morte sem Tabu tem sido uma construção, acima de tudo, coletiva. Recebemos material, livros, sugestões de pauta, indicações de entrevistados, memes e textos de todo tipo sobre viver e morrer. Mais do que qualquer coisa, recebemos afeto e partilha. Somos gratas às pessoas que dividem com a gente o que têm de mais precioso na vida: o tempo.
Ainda emocionadas pela constatação de quanta vida pode haver nos encontros sobre a morte e o morrer, escrevemos este texto para agradecer.
Este blog, projeto que começou em 2014 pela coragem solitária de uma de nós (Camila Appel), é, cada vez mais, um projeto de muita gente. Muito obrigada a vocês que nos acompanham e pelo espaço que a Folha de São Paulo nos tem dado.
Vida longa ao Morte sem Tabu! E que venham os próximos encontros.
Camila, Cynthia e Jéssica
Para saber mais sobre os eventos de que participamos, sigam a gente no nosso Instagram @mortesemtabu_ :)
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