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Música em Letras - Carlos Bozzo Junior
Carlos Bozzo Junior

Violonista Patrick Angello lança álbum solo 'Violão Afro-brasileiro' nesta sexta-feira

Leia entrevista exclusiva que o artista concedeu ao Música em Letras e assista ao vídeo no final do texto

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São Paulo

O violonista, compositor, arranjador e professor carioca Patrick Angello, 40, lança nesta sexta-feira (2), nas plataformas de streaming, "Violão Afro-Brasileiro" (Kuarup), seu primeiro álbum solo, embora pareça ser o trigésimo dado o alto teor de maturidade existente no registro do instrumentista que acumula 22 anos de sólida carreira.

Exímio violonista de 6 e 7 cordas, Patrick de Oliveira Angelo nasceu no Méier, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, local onde cresceu criando fortes elos com a música. Elos tão significativos que o levaram a tornar-se músico profissional e adotar mais um "l" ao sobrenome para usá-lo como nome artístico, Patrick Angello.

Em foto preto e branca, o violonista, compositor e arranjador Patrick Angello
O violonista, compositor e arranjador Patrick Angello - Edu Simões/Divulgação

O convívio com chorões da velha guarda como o seu avô Altair, conhecido como o Azedinho do Bandolim, homem que organizava rodas de choro frequentadas por músicos do Rio e de outros estados do Brasil, como o bandolinista Rossine Ferreira (1919-2001) e o compositor Claudionor Cruz (1910-1995), levaram o garoto Patrick a tomar gosto pela arte de casar os sons e começar a aprender violão.

Foi seu tio Cloves do Violão -violão de 7 cordas da Escola de Samba Primeira Estação de Mangueira- quem preparou o pupilo que depois passou pelas mãos e ouvidos dos mestres Horondino José da Silva, conhecido como Dino 7 Cordas, (1918-2006), e Valdir Silva, o Valdir 7 Cordas, irmão gêmeo de Valter Silva, dois craques do acompanhamento quando o assunto é choro ou samba.

Ao atingir a maior idade, com 18 anos, Patrick passou a integrar o tradicional conjunto de choro "Chapéu de Palha", acompanhando, entre vários artistas, Elza Soares (1930-2022), Beth Carvalho (1946-2019), Roberto Silva (1920-2012), Pery Ribeiro (1937-2012) e Miltinho (1928-2014).

Dos 28 aos 30 anos, Patrick Angello atacou na banda de Elza Soares acompanhando-a em diversos shows. Gravações em álbuns foram muitas, figurando em discos de Altamiro Carrilho (1924-2012), Almir Guineto (1946-2017) e no CD, lançado em 2019, com obra de Geraldo Pereira (1918-1955) gravado pela Velha Guarda da Mangueira.

A nova geração também reconheceu o talento de Patrick Angello e o escalou para registrar o som límpido de seu violão no álbum "O Que Vai Ficar Pelo Salão" (2019), do cantor e cavaquinista Gabriel Cavalcante, 38, o Gabriel da Muda, além do álbum "Depois das Cinzas" (2011), do violonista e bandolinista Luis Barcelos, 37.

Como sideman de alguns mestres do samba, Patrick Angello fez muito som com Nelson Sargento (1924-2021), Dona Ivone Lara (1921-2018), Ataulfo Alves Junior (1943-2017) e Zeca Pagodinho, entre outros.

Experiências musicais que só acrescentam talento e bom gosto não lhe faltam. No teatro atuou como diretor musical de diversos espetáculos ligados à difusão da história do samba e do choro, como o "Projeto Sambando e Chorando", apresentado no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, em 2005.

Em 2004, o músico esteve na China, onde excursionou com o conjunto Samba Tipo Exportação. Durante os anos 2012, 2013 e 2014 realizou turnês pela Europa com seu trio formado por seu violão de 7 cordas, um cavaquinho e um pandeiro, instrumentos que soaram com muito sucesso no Festival de Jazz de Ancona, na Suíça, além de apresentações na Itália e Alemanha. Em 2020, o instrumentista fez uma turnê solo em Israel.

Recentemente o artista se apresentou na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, realizando a performance musical "Valongo - Afro-Brazilian Guitar" ao lado da artista e sua mulher Anita Ekman, responsável pela direção e fotografia do vídeo "Mistérios de Exu", que traz uma das belas composições de Patrick às telas. Assista ao vídeo no final do texto.

Leia, a seguir, a entrevista exclusiva que Patrick Angello concedeu ao blog Música em Letras.

Em foto preto e branca, o violonista Patrick Angello posa para a câmera em meio à raízes de uma árvore
Capa do álbum 'Violão Afro-Brasileiro', do violonista e compositor Patrick Angello - Edu Simões/Divulgação

Você aprendeu a tocar violão de 6 e 7 cordas com Cloves do Violão" (violão de 7 Cordas da Escola de Samba Primeira Estação da Mangueira), com Dino 7 Cordas e com Valdir Silva, o Valdir 7 Cordas. Quais foram as maiores lições que cada um desses mestres lhe ensinaram?

Todos esses foram meus mestres de violão de 7 cordas. Tive aulas formais com Dino 7 Cordas e Valdir Silva e com meu tio Cloves do Violão. Estudei com Dino nos últimos anos da vida dele, de 2000 até 2002. o Dino morreu em 2005 e com ele aprendi muito sobre repertório e técnicas específicas do violão de 7 cordas. Contudo o que Dino realmente me ensinou foi com sua convivência, pois dela absorvi os ensinamentos de como se deve portar um violão de 7 cordas numa roda de choro, ter educação, um respeito ao solista. O Valdir Silva foi meu mestre durante a vida toda. Comecei a estudar violão de 7 cordas com ele, quando tinha 18 anos. Ele me ensinou toda a sabedoria do instrumento. Com ele aprendi na prática como executar esse instrumento, através dos bailes e do regional "Chapéu de Palha". Valdir foi um dos violões de 7 cordas mais importantes da música brasileira, na minha opinião, por ter gravado músicas antológicas com Gonzaguinha, Roberto Ribeiro e Elza Soares. A genialidade do contraponto que Valdir criou na música popular brasileira é algo que me inspira e que faz parte da minha música. Meu tio, Cloves do Violão, foi uma espécie de griô [indivíduo sábio capaz de preservar e transmitir canções, histórias e conhecimentos] na minha vida, pois foi ele que me apresentou todas essas pessoas. Tive aulas particulares no morro da Matriz, onde ele morava, e também frequentava a escola de música que ele fundou, na Penha Circular, zona da Leopoldina do Rio de Janeiro. Ele me carregava para o morro da Mangueira e para todos os lugares que ia tocar, me formando não só como instrumentista, mas como pessoa. Foi meu primeiro professor de violão, aos 17 anos.

Como o violão de 6 cordas apareceu para você?

Já o violão de 6 cordas entrou na minha vida ouvindo Raphael Rabello. Eu era aficionado pelo Raphael desde os 16 anos. Escutei e tenho toda sua discografia. Comecei a estudar sozinho a escola do violão clássico para aprender a fazer o que ele fazia, estudando desde Tarrega até Bach e Villa-Lobos. Mas também tinha minha paixão pelo violão flamenco. Sou autodidata no violão de 6 cordas e só depois fui estudar formalmente com o violão de 7 cordas.

Como você avalia o choro tocado atualmente em relação ao choro do passado?

Bem, eu cresci escutando choro, as rodas autênticas feitas no subúrbio do Rio de Janeiro pelos velhos chorões. Isso faz de mim, de certa forma, um saudosista, pois a genialidade daqueles velhos estava na simplicidade de executar uma música tão complexa como o choro criando uma improvisação singela, sem exageros de notas. Essa maneira de se tocar o choro no subúrbio do Rio de Janeiro expressa uma delicadeza, uma magia de uma época. Aquelas pessoas viviam e expressavam, na música instrumental, uma maneira humilde de se colocar no mundo. Atualmente está faltando um pouco mais de originalidade em manter as tradições do violão de 7 cordas, do violão de 6 cordas e do "violão pé de boi", o violão que conduz as levadas.

Como você avalia o samba tocado atualmente em relação ao samba tocado anteriormente?

Assim como o choro, é a mesma resposta que eu lhe dou. Os bambas do samba expressavam através da música algo que vai muito além de notas musicais, de uma melodia interessante ou de um ritmo quente. É a expressão da maneira de viver e da resistência das comunidades do morro e do subúrbio cariocas. Cheguei a acompanhar Nelson Sargento, Dona Ivone Lara, Tantinho da Mangueira e tanto sambista do morro, Velha Guarda da Mangueira, Velha Guarda do Estácio, até a "Vó Maria" (esposa do Donga), o Xangô da Mangueira, Rubens Confete e Zédi do Salgueiro. A força verdadeira do samba sempre esteve com eles. É um desafio que enfrentamos, nós da nova geração, manter a memória desses mestres viva.

Descreva sua última experiência tocando nos Estados Unidos.

Foi uma experiência incrível, porque foi a primeira vez que pude tocar minhas próprias composições e me apresentar solo. Defender a alma da música brasileira através do violão e sentir que as pessoas se identificam com a mensagem que está sendo passada através da música é muito gratificante. Toquei recentemente, em maio de 2024, no consulado do Brasil em Boston. Foi um concerto para as florestas brasileiras, mesclando um repertório de composições próprias, como "Mistérios de Exu", e releituras de peças de João Pernambuco ("Graúna") e arranjos próprios de composições como "Passarim", de Tom Jobim. Foi gratificante ver, por exemplo, a emoção do público brasileiro que chegou a cantar junto com o violão. A linguagem da música instrumental alcança essa façanha, o público é capaz de sentir a linguagem do invisível. Quando tocamos, transmitimos uma mensagem que transborda, está para além da palavra, nos atravessa e alcança uma espécie de sentimento, a própria maneira do sentir o dia a dia do Brasil, de ser brasileiro. Na Universidade de Indiana, em 2023, apresentei para um público formado principalmente por músicos da Jacobs School of Music minhas próprias composições. O que experimentei foi uma sensação de identificação dos ouvintes com o que eles estudavam na universidade, mas também com a surpresa da levada do violão brasileiro, que faz uma fusão especial com os ornamentos da música clássica e dos afro-sambas.

O que isso lhe acrescentou?

Me acrescentou a vontade de continuar compondo, pois senti que não preciso ocupar apenas o lugar de acompanhamento. Me mostrou que ainda existe lugar para este tipo de música que desejo criar.

Defina o álbum "Violão Afro-Brasileiro".

Se eu fosse definir musicalmente, eu poderia dizer que o álbum apresenta composições de um violão solo, uma fusão entre os gêneros como choro, afro-sambas, maxixe com ornamentos de música clássica e flamenco. Mas existem algumas das composições que eu mesmo não enquadro em nenhum gênero conhecido, sinto que é uma composição instrumental, criada a partir de memórias sonoras e afetivas que dizem respeito, ao mesmo tempo, às raízes do morro da Matriz, o ijexá no caso do "Mistérios de Exu" ou a casa de reza guarani de Carlos Papa, que participou na faixa "Oxossi Cabloco" , é uma espécie de paisagem sonora da minha maneira de sentir o oceano Atlântico e a Mata Atlântica.

Quais dificuldades encontrou ao gravar este álbum?

Eu gravei esse álbum em apenas um dia no estúdio Araras, em Teresópolis, com o engenheiro de áudio Sérgio Lima Netto. Embora tenha gravado centenas de músicas em discos de outros músicos, nunca encontrei tempo e recursos para fazer o meu próprio álbum. Considero este o grande desafio, acreditar que é possível para um compositor brasileiro de música instrumental e para o violão ocupar um lugar.

Faça um faixa a faixa do álbum "Violão Afro-Brasileiro".

As composições são todas de minha autoria. "Mistérios de Exú" foi composta em 2023, no cemitério de Williantown, nos Estados Unidos. Ela é uma peça para violão onde expresso minha própria conversa com Exu. Traz numa só música toques de ijexá e outros gêneros como flamenco, música clássica e choro. Ela foi a música de abertura da performance "Valongo – Afro-Brazilian Guitar" em releitura das gravações de Lorenzo Dow Turner feitas nos candomblés da Bahia, entre os anos de 1940 e 1941.

"Tiê-Sangue" é uma valsa composta também em 2023, em homenagem ao meu filho Tiê e ao mesmo tempo ao pássaro que é símbolo da Mata Atlântica.

"Baleias" é uma música instrumental anterior às outras, de 2022, composta em Ubatuba, São Paulo, em homenagem ao oceano Atlântico.

"Pau-Brasil" é um maxixe que fiz em 2023 em homenagem a árvore que dá nome ao Brasil, e traz uma espécie de conversa entre um colonizador e os povos indígenas.

"Lágrimas de Iemanjá" é um choro de 2023 criado durante minha estadia na Universidade de Indiana para a performance "Valongo – Afro-Bbrazilian Guitar" e é uma homenagem a Iemanjá e aos cabelos de minha mulher Anita, que lembram as ondas do mar.

"Oxóssi Caboclo", também de 2023, é uma música instrumental para violão, uma espécie de mantra criado para a Reza de Carlos Papa (líder espiritual Guarani Mbyá).

"Mainó" significa colibri em Guarani. Eu a compus em 2023, e a peculiaridade dessa música é o trêmulo da mão direita, que remete às peças para violão de Tarrega e que se assemelham ao bater das asas de um beija-flor. Originária das Américas, essa ave é sagrada e considerada um mensageiro para os Guarani.

"Tatá" significa fogo em Guarani. Também foi composta em 2023, na aldeia guarani, onde se acende as fogueiras e se escuta o que o fogo tem a nos dizer. Foi essa música que eu escutei na minha primeira visita a essa aldeia.

"Pedra de Xangô", minha avó Jacira, em sua casa, tinha uma pedra. Todas as vezes que ela saía de casa, ela batia continência para essa pedra e pedia proteção. Essa música, composta em 2023, faz parte das minhas lembranças mais profundas do subúrbio de onde vim. Este é um afro-samba e também integrava a performance "Valongo:Afro-Brazilian Guitar".

O que as pessoas devem ter em mente quando escutarem o álbum "Violão Afro-Brasileiro"?

O álbum é meu autorretrato. Um disco de violão solo que foi construído com as influências de Baden Powell, Hélio Delmiro, Raphael Rabello… É um violão que tem a escola informal das rodas [de choro e samba], mas que ao mesmo tempo também traz a formalidade dos estudos técnicos do instrumento. As composições revelam tanto minhas conversas com Exu como o que aprendi a escutar do fogo em uma aldeia guarani. É um álbum que homenageia o Atlântico e os povos da floresta (afro-brasileiros e indígenas).

Complete as frases a seguir.

Gravar um disco de violão solo é...um desafio enorme.

Ser violonista no Brasil é… é dura a vida honesta.

Ser artista brasileiro é…quebrar pedra todos os dias e compartilhar a mais carinhosa poesia.

Se eu pudesse melhoraria a vida do artista brasileiro…com mais recursos para projetos, leis de incentivo à música, espaço na mídia e principalmente o reconhecimento dos nossos velhos mestres da música popular brasileira.

Se eu pudesse colocaria o choro…no mais alto patamar da música instrumental mundial.

Se eu pudesse colocaria o samba…num álbum que sempre sonhei em gravar com os velhos para mostrar o antigo molho da batucada do samba.

A música brasileira é definitivamente...para mim, a melhor do mundo.

A maior lição que posso passar para quem está começando a tocar violão é...estudar sempre e conhecer profundamente a história dos mais velhos desse instrumento.

Assista, a seguir, ao vídeo "Mistérios de Exú" e faça o pré-save selecionado em https://orcd.co/wvdyyrr-patrick-angello para a plataforma de streaming de sua preferência para ser uma das primeiras pessoas a ter o privilégio de ouvir o álbum "Violão Afro-Brasileiro", de Patrick Angello, um exímio violonista.

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