Na Corrida

Pé na estrada, mesmo quando não há estrada

Na Corrida - Rodrigo Flores
Rodrigo Flores
Descrição de chapéu atletismo

As lições do brasiliense que corre uma maratona por dia

Hugo Farias completa 100 maratonas e lembra a importância do compromisso para qualquer corredor

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Rodrigo Flores
São Paulo (SP)

Superação, esforço, prazer, motivação, determinação, felicidade.

Essas palavras costumam ser usadas para definir o ato de correr. Ou, pelo menos, é o que está escrito na legenda das fotos no Instagram.

Eu discordo.

E antes de despertar a fúria do leitor, esclareço. Eu não acho que elas estejam completamente erradas. Eu também tenho prazer ao correr, preciso de esforço e determinação para vencer desafios, busco a superação nos momentos difíceis, e sinto felicidade ao cumprir um objetivo.

O meu problema com esses adjetivos é que eles funcionam para descrever apenas momentos pontuais. São peças de um quebra-cabeças mais complexo. Ninguém se supera o tempo todo, nem sorri durante uma corrida inteira. São sentimentos importantes, mas efêmeros.

A palavra que, na minha opinião, melhor define o corredor é compromisso. É correr no dia bom e no dia ruim. É vencer discussões intermináveis dentro da sua cabeça, que está sempre pedindo para você desistir. É remarcar encontros, abrir espaço na agenda, carregar equipamento esportivo para viagens ou passeios. Enfim, sem compromisso, os outros adjetivos não vão existir, simplesmente porque a corrida não vai acontecer.

Por que estou falando disso? Porque queria contar uma história sobre compromisso. Apresento a vocês o Hugo Farias. Brasiliense, casado, 43 anos, pai de dois filhos. No início de 2022, Hugo decidiu abandonar o emprego em uma multinacional de tecnologia para embarcar em um projeto extraordinário: correr uma maratona por dia, durante um ano. São 42 km em 365 dias. Estamos falando de mais de 13 mil quilômetros. Esse é o tamanho do compromisso do Hugo.

Corredor com blusa azul e óculos escuros é seguido por ciclistas
Hugo Farias, morador de Americana (SP), corre uma maratona por dia há 100 dias. A meta é completar 365 maratonas ininterruptas - Divulgação

E por que ele decidiu entrar nessa? Bem, todos nós temos sonhos, certo? "Queria mudar a forma como eu investia meu tempo, fazer algo diferente e, ao mesmo tempo, inspirar pessoas".

Hugo não era atleta profissional. Antes de iniciar o desafio, ele havia corrido "apenas" uma maratona em sua vida. "Foi preciso treinar duro para estar pronto para o início do projeto. Reuni uma equipe multidisciplinar com dois treinadores, nutricionista, ortopedista, psicólogo e cardiologista para me ajudar no processo."

Todos os dias ele faz o mesmo percurso na cidade de Americana (SP), onde vive com a família. A corrida começa entre 5h e 6h30 – dependendo das condições climáticas ou de quem ficou responsável por ajudar as crianças para irem à escola. Hugo sai sozinho e carrega consigo tudo o que precisa: água na mochila de hidratação, gel e rapadura em uma pochete.

"A parte psicológica é tão ou mais importante que a questão física. Mas encaro como um trabalho. Há dias em que estou mais animado, e há outros em que eu preferia continuar dormindo. Há dias de preguiça, há noites que dormi mal, ou que está calor demais para correr. Mas, assim como no trabalho, você simplesmente vai lá e faz, porque é a sua obrigação".

Hugo corre sozinho, mas não se sente sozinho. "As pessoas buzinam, acenam, já me conhecem. Fiz amigos que me acompanham em parte do trajeto, e me ajudam caso aconteça um imprevisto. Houve uma vez que começou a chover forte e me levaram uma troca de roupa no meio do caminho, em uma padaria onde costumo parar para tomar um suco ou um cafezinho."

E as lesões? "Elas podem acontecer, mas hoje me sinto mais preparado e forte do que quando comecei". Para manter a saúde em dia, ele faz um controle de temperatura dos músculos e articulações. Variações de um grau centígrado em partes específicas do corpo sugerem o início de um processo inflamatório e risco elevado de lesão. Quando isso acontece, Hugo faz um tratamento preventivo para acelerar a recuperação.

Todas as corridas de Hugo são monitoradas por sensores. Além de ajudar no seu treino, ele coleta dados que serão objeto de estudo por cardiologistas e ortopedistas. "A ideia é contribuir de alguma forma para a ciência com esse experimento que eu me propus a fazer".

Enquanto as pesquisas não saem, Hugo compartilha algumas lições que tirou das quase cem maratonas corridas até agora. A primeira é dividir o percurso em trechos, e celebrar pequenas vitórias no caminho. A segunda é começar devagar, respeitar o tempo do corpo, e só acelerar quando sentir que a musculatura está pronta para encarar o desafio. A terceira é não negligenciar a nutrição e a hidratação. "Eu como a cada 20 minutos, bebo quase 3 litros de água. Sem isso, meu corpo não funcionaria tão bem".

E quando terminarem as 365 maratonas? "Vivo um dia de cada vez, mas não me vejo mais fora do esporte. O mundo de TI, no qual passei mais de 20 anos da minha vida, faz parte do passado. Essa experiência me qualifica para muitas atividades, mas só o tempo dirá".

Nesta segunda-feira (5), enquanto este texto é publicado, Hugo completa a sua centésima maratona. Um feito celebrado com festa no domingo, quando reuniu 300 corredores para acompanhá-lo em uma prova organizada para marcar a ocasião.

Faltam 265 dias, corridos um de cada vez.

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