Na Corrida

Pé na estrada, mesmo quando não há estrada

Na Corrida - Rodrigo Flores
Rodrigo Flores
Descrição de chapéu atletismo

Sobre seleção feminina, fracassos e foco no processo

Palavra fracasso privilegia o resultado e ignora o mais importante no esporte

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Rodrigo Flores
São Paulo (SP)

A eliminação da seleção feminina de futebol na Copa do Mundo me incomodou. Como não sou lá muito ligeiro – seja nas pistas de corrida, seja no pensamento –, demorei para perceber o porquê. O resultado da seleção foi muito ruim, não se discute, mas não era isso que mais me perturbava. Havia algo na cobertura da imprensa que não soava bem. Depois de uns dias, a ficha caiu. O que mais me irritava não era o empate para a Jamaica, nem a Pia ou a desclassificação prematura em um torneio tão especial.

O que me irritou mesmo foi a quantidade de vezes que li a palavra "fracasso".

Separei aqui algumas reportagens e análises sobre a seleção feminina que tinham a palavra "fracasso" no título.

  • 'Fracasso histórico': Eliminação do Brasil na Copa repercute na imprensa internacional (O Globo)
  • Brasil é eliminado da Copa do Mundo em mais um fracasso contra europeus em quartas de final (GE)
  • Milly Lacombe: Brasil fracassou da pior forma possível; Pia parecia o Tite (UOL)

Estes são alguns exemplos. Há dezenas de outros. Duvida? Faça uma busca.

Tenho implicância com a palavra fracasso. Ela me parece genérica demais, definitiva demais, binária demais. Ou é sucesso, ou é fracasso? Custo a aceitar e recorro ao dicionário. Infelizmente, o Houaiss me deixou na mão. Pela definição, fracasso significa "não ter êxito; falhar, frustrar-se, malograr-se".

Bem, permito-me a audácia de discordar do pai dos burros quando o assunto é esporte. Para atletas profissionais ou amadores, fracasso é uma expressão a ser evitada.

Como assim?

Vamos pensar juntos. Quer dizer que fracassa quem não é campeão? Só um ganha, e todos os outros fracassam? O Brasileirão tem 19 times fracassados? Quem corre maratona e não tem o sobrenome Kipchoge é invariavelmente fracassado? Lembrando que o próprio Kip "fracassou" na maratona de Boston ao terminar "apenas" em sexto lugar. Desculpem a repetição exagerada da mesma palavra, mas achei importante para reforçar meu ponto.

Dou outro exemplo. No momento em que escrevo este texto, Frances Tiafoe é o décimo melhor tenista no ranking mundial da ATP. Estar no top 10 é um feito extraordinário. A qualidade do norte-americano é indiscutível. Aos 25 anos, já está milionário, somando mais de 9 milhões de dólares em prêmios. Em sua carreira, ele acumula 167 vitórias e 155 derrotas. Na média, fazendo uma conta de padaria, para cada vitória que ele conquistou houve uma derrota. Em 8 anos como profissional, ele ganhou "apenas" 3 títulos. Pela régua da crônica esportiva, em todas as outras dezenas de torneios, Tiafoe fracassou.

Não sei vocês, mas não considero Tiafoe um fracassado.

Veja, ganhar e perder fazem parte do esporte. Meu incômodo com o uso do termo fracasso é que ele foca exclusivamente no resultado e desconsidera o que entendo ser o mais importante: o processo. Cair, levantar, tentar de novo, e buscar melhorar sempre. Esse é o mantra que o esporte nos ensina, e que para muitas pessoas torna o fardo da vida mais suportável. Já o termo fracasso não deixa espaço para o aprendizado. Reduz tudo ao resultado binário da vitória-derrota.

Não se trata de passar pano para ninguém, apenas tentar olhar para o processo, além do resultado.

A seleção feminina perdeu? Sim.

A seleção feminina foi eliminada. Foi.

A seleção feminina definitivamente não fracassou.

Esporte não é só sobre ganhar e perder. É muito mais do que isso.

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