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Mariana Agunzi

Série de comédia argentina tem polícia inclusiva e música brasileira

'Divisão Palermo' discute capacitismo e preconceito ao mostrar civis como guardas de Buenos Aires

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São Paulo

"Divisão Palermo", nova série argentina da Netflix, faz rir ao ridicularizar o preconceito contra minorias e discutir o capacitismo, comportamento que trata pessoas com deficiência como inferiores e incapazes. Com "Doce Obsessão" da banda Cheiro de Amor na trilha, a comédia foi indicada pelo Comitê de Deficiência da ONU como exemplo audiovisual e fez sucesso entre a polícia argentina, que passou a pedir fotos ao encontrar os atores pelas ruas.

Na história, uma guarda urbana inclusiva é criada como ação oportunista da polícia para tentar melhorar sua imagem com a população. Eles acreditam que podem apagar seus erros ao trazer inclusão para dentro da polícia de Buenos Aires. O grupo tem cegos, cadeirantes, imigrantes, idosos, pessoas com nanismo e transexuais, que começam o trabalho sem saber o que estão fazendo ali.

Os atores de "Divisão Parlermo", série argentina na Netflix
Os atores de "Divisão Parlermo", série argentina na Netflix - Tomás Francisco Cuesta/Netflix

Ao longo dos capítulos, a guarda tem que lidar com criminosos, piadas dos colegas policiais e o capacitismo da população, que considera que o grupo é composto por "seres de luz" e "exemplos de vida". Com humor, a série mostra personagens com contradições e torna visíveis situações que pessoas com deficiência e minorias passam.

"A série ri da nossa falta de jeito quando queremos ser politicamente corretos e das instituições que procuram parecer modernas e inclusivas, mas não fazem mudanças fundamentais e reais", conta o criador de "Divisão Palermo", Santiago Korovsky, 38 anos, que atua, roteiriza e dirige. A ideia não era sensibilizar, diz. "Nós fizemos a comédia que gostaríamos de ver e da qual seríamos espectadores. Tomamos cuidado para não sermos solenes e não cairmos em discriminações positivas."

Korovsky conta que quis discutir esses assuntos para fazer comédia com questões que atravessam a todos, além da possibilidade de explorar o gênero policial de outra maneira. "Acredito que o humor pode nos ajudar a escapar dos problemas, mas também pode ser uma ferramenta para pensar sobre eles de outro jeito."

Leia, abaixo, a entrevista completa com Santiago Korovsky.

Por que você escolheu "Doce Obsessão", da banda Cheiro de Amor, para a trilha sonora?

Talvez porque nos anos 1990 fui muito para Florianópolis com minha família e não parava de tocar nas rádios. Na Argentina temos uma versão em espanhol de Cid Guerreiro, que também foi um hit da minha infância.

É uma música que, mesmo que eu me envergonhe de dizer, toca na minha cabeça quando me sinto apaixonado. Admitir isso me faz rir, como uma espécie de prazer culpado, mas, para mim, ela significa alegria e felicidade plena. É um pouco cafona, não é o tipo de música que costumo ouvir, mas me dá aquela sensação de alegria quando o refrão toca. E também é muito cativante.

Quis trazer a ideia de nostalgia, saudade e alegria. A música nas comédias é algo muito complexo, porque você pode cair em canções típicas que enfatizam a piada, e de alguma forma acaba matando o texto. E se você colocar músicas muito dramáticas ou com muito suspense, a brincadeira fica muito sombria e também não funciona.

É uma linha muito tênue entre esses limites. Para mim, a música era fundamental e a premissa sempre foi que, independente do tom que tivesse, tínhamos que gostar primeiro. E felizmente conseguimos.

Que inspirações foram importantes para você construir o texto e criar os personagens?

Há cinco anos, apareceu na minha cabeça a imagem de um grupo de policiais que tentavam resolver suas missões com o menor esforço possível. Mesmo desesperados em mudar sua imagem na sociedade, eles sempre estavam no olho do furacão por suas ações e mau desempenho. Nessa história, essas pessoas estavam envolvidas em uma trama criminosa, e tiveram que ir até às últimas consequências, porque sua sobrevivência estava em jogo. Essa foi a primeira premissa da série, que depois foi transformada.

Para a segurança urbana que não portava armas foi criado um enredo de limpeza de imagem da polícia perante a sociedade ao incorporar minorias e pessoas com deficiência. Esses personagens se tornaram os protagonistas da série e começamos a nos aprofundar em cada um deles, com a ajuda de nossos colaboradores do roteiro. Pareceu-me que era uma forma de fazer humor com questões que hoje nos atravessam e que nos deu a possibilidade de explorar o gênero policial por um outro lado.

Por que você quis combinar humor e trabalho policial?

Porque são duas coisas que gosto muito. Adoro filmes como "O Poderoso Chefão" e "Os Intocáveis" e séries como "The Office". Sabíamos que era um desafio porque não existem muitas séries nessa combinação. A série "Barry" vem à mente, por exemplo, e o filme "O Grande Lebowski" também, mas não são roteiros muito parecidos. A ideia era passar pela polícia com a comédia e contar uma história além.

Nós tivemos o desafio de fazer com que a polícia não pisasse na comédia ou vice-versa, e é algo que nos fez trabalhar duro. Parece que quando a polícia fica séria, consegue impedir que o humor se torne ingênuo ou infantil. Porque o mundo das forças de segurança tem um lado ruim que também não podemos ignorar

O humor da série é único. Como foi escrever um texto humorístico para falar sobre capacidade e deficiência?

O humor pode nos ajudar a escapar dos problemas, mas também pode ser uma ferramenta para pensar sobre esses problemas de outra maneira. Ele pode lançar um olhar crítico sobre o absurdo que nos rodeia, nós mesmos e nossas misérias. Eu acho que nosso trabalho tem algo disso, ou, pelo menos, tenta.

A série ri da nossa falta de jeito quando queremos ser politicamente corretos e das instituições que procuram parecer modernas e inclusivas, mas não fazem mudanças fundamentais e reais

Santiago Korovsky

diretor da série

Para fazer isso, tivemos o cuidado de ficar do lado que achamos certo para fazer humor e tivemos a ajuda de muitos colaboradores. Porque acredito que questões como essas podem ser tratadas desde que sejam feitas com cuidado, com estudo, com conhecimento dos fatos. Sentimos que para falar sobre certos assuntos precisávamos de conselhos, colaboradores de roteiro e a participação dos atores, para que eles contassem suas experiências e se expressassem.

Eles pediram o tempo todo para irmos mais longe, para não sermos solenes, para não cair em discriminações positivas, para não pensar que essas pessoas são todas "seres de luz" ou exemplos de vida. Eles nos ajudaram a encontrar personagens com contradições e mostrar outra forma de tornar visíveis situações que essas pessoas estão passando.

Quais camadas ficam expostas quando se faz um pouco de tudo (escrever, dirigir e atuar) em um trabalho?

Foi muito intenso e cansativo, mas também foi um sonho realizado. Eu fazia todas essas funções, mas em produções bem menores para colocar nas minhas redes sociais. O comediante às vezes tem a necessidade de escrever a piada, encená-la e editá-la para encontrar o tom necessário. Em outros trabalhos, eu tinha feito essas tarefas separadamente, atuando em algumas e escrevendo em outras. Aqui, para fazer tudo, tive que me cercar de pessoas incríveis, seis roteiristas, um codiretor (Diego Nuñez Irigoyen) e ótimos atores e amigos com quem eu poderia contar, caso contrário, teria sido impossível.

Que características do humor argentino você quis colocar em "Divisão Palermo"?

Embora a série tenha sido pensada para os argentinos, é uma alegria saber que ela está viajando para outros países. Recebemos muitas mensagens do exterior. É claro que temos um humor muito particular. Uma relação específica com o trabalho e a burocracia. Talvez outros países se identifiquem com a corrupção da polícia que é mostrada. Tentamos mostrar uma Buenos Aires da forma mais cinematográfica possível, mas dentro do nosso alcance. Não queríamos que parecesse aquelas histórias que acontecem em um "não-lugar", mas que nos sentíssemos ancorados em uma cidade real.

Onde você esperava chegar ao publicar uma obra com esses temas?

Eu não sabia até onde "Divisão Palermo" poderia ir. Outro dia, ela foi indicada pelo Comitê de Deficiência da ONU como um exemplo audiovisual e para mim foi uma grande surpresa.

Outra coisa que me impressionou foi a polícia da cidade pedir para tirar fotos conosco depois de assistir a série. A transversalidade da recepção sem dúvida me surpreendeu muito. Sempre me pareceu que o humor é uma ferramenta para pensar em nós mesmos e na realidade em que vivemos e que, nesse sentido, devemos colocar na mesa questões barulhentas, absurdas e que nos façam sofrer. Mas a ideia do trabalho não era sensibilizar.

Nós fizemos a comédia que gostaríamos de ver, que seríamos espectadores, para que as pessoas possam apreciá-la e escolhê-la. É um orgulho e uma alegria incrível o tamanho que ela tomou.

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